Análise do FILME, Um Método Perigoso
Um Método Perigoso (2012), de David Cronenberg, é um filme para ser deixado no esquecimento cinematográfico. Segundo Andre Bazin (2008), a questão fundamental é a presença do real na imagem obtida pelo registro automático da câmera, presença que define um compromisso “ontológico”, ético, específico ao cinema como forma de representação e Um Método Perigoso parece esquecer esse compromisso apelando para o mecanicismo por meio de personagens completamente embevecidos com o seu destino no filme. Ao contrário de filmes como Crimes do Futuro (1970), filme futurístico, o qual leva o espectador para dentro da trama fazendo com que o filme seja, de fato, vivido e Na hora da Zona Morta (1983), que nos confunde ao ponto de não sabermos se é um sonho ou se estamos diante da própria imaginação do personagem, mas em Um Método Perigoso somos jogados dentro de uma trama que tem sua introdução na personagem de Sabina, um personagem que tenta mostrar o seu lado mais sombrio e perturbador, mas acaba por transformar-se em um personagem irreal e mecânico.
David Cronenberg constrói personagens psicologicamente fascinantes, sempre baseado no horror da mente de seus protagonistas, já em Um Método Perigoso ele nós apresenta um trio de personagens com um compromisso diante dos fatos apenas.
Um Método Perigoso seria uma nova aposta do diretor, com diálogos mais extensos, apostando em um cinema mais verbal e centralizando sua trama em dois expoentes da psicanálise, Freud e Jung, sendo um filme mais realista e menos imaginativo, ao contrário de alguns de seus célebres trabalhos.
Escrito por Christopher Hampton, o roteiro nos apresenta personagens fadigados com o compromisso da realidade em que o filme é contextualizado, talvez a tarefa de representar Freud e Jung em uma questão técnica e ética Sobre o Amor Transferencial (1915), da paciente pelo seu analista seja injusta em relação às “críticas”, porém o que está em jogo é um filme que mostra uma relação analítica entre Jung e Sabina, com direito até cenas de sexo e masoquismo, as quais vão de encontro ao que é proposto por Freud: que o analista não deve satisfazer o desejo do paciente, mas deve ser abstinente e também não deve recalcar este desejo, pois traz um conteúdo do inconsciente à consciência para recalcá-lo novamente, exatamente o contrário que Jung faz.
O filme ainda nos mostra personagens inseguros com seus diálogos complexos, atuações medíocres do início ao fim, a única personagem que foge deste círculo “freudjunguiano cinematográfico” é a esposa de Jung, Emma Jung, a base de sua família, uma mulher doce, apaixonada e preocupada com os acontecimentos que acometem seu marido e seus filhos (que pouco importa para o filme).
O filme é centrado no trio, ainda que Otto Gross (Vincent Cassel) com o seu delírio e liberação sexual apareça para dar uma “palinha” da sua depravação pessoal, em pouco tempo ele é expulso da trama, mesmo sem relevância para o filme ele deixa sua marca em um Jung um pouco perdido. Sim, seria ele que guia Jung para resolver seu entrave com Sabina através de sua depravação e seu vício em cocaína, vale ressaltar que Otto é um personagem adomicilar, um protótipo dos Beatniks.
O filme também mostra o procedimento inovador e controverso apresentado como a cura pela conversa, esse seria o fio de Ariadne que levaria Jung até Freud, assim os dois tentam uma parceria para uma aceitação da psicanálise na comunidade médica. Os dois personagens apresentam suas discordâncias minando suas relações até culminar na separação total e no desgosto de um pelo outro, Freud tem sua questão centrada no sexo, já Jung começa ver a sua religiosidade afetar sua abordagem clínica, por ser de uma maneira teatral e limitada, a contribuição dos diálogos acabam aguçando mais o drama romântico vivido entre Jung e Sabina, do que a discussão entre os dois personagens.
O personagem de Jung é altamente influenciável, Freud se torna a figura paterna, Sabina seria um elo, porém a fragilidade do roteiro e dos personagens transforma o drama em uma ligação jocosa dentro do filme, o exemplo seria o choro de Jung aos pés da Sabina, uma cena inesperada dentro da discussão que permeava os acontecimentos.
Em outra discussão entre o Sr. Freud e o Sr. Jung sobre Colombo e Galileu, ressaltam-se características do cinema moderno (que mais parece uma doença dentro da “Sétima Arte”, remontando os períodos de pós-revolução sexual, pós-modernismo e pós década de 50) dando ênfase para uma crítica à própria base familiar e aos dogmas religiosos quando Otto tem relações com uma freira e Sabina se torna amante de Jung. Essas características aparecem veladas no filme e acabam atrapalhando, deixando o filme com ares de panfletagem revolucionária.
Esses elementos apresentam um filme que nos deixa pairando entre o tédio e a imaginação, esperando algum acontecimento que nos tire desse meio e nos leve para uma catarse cinematográfica, Hugo Munsterberg (2008) no seu texto “A Atenção”, nos lembra:
A mera percepção das pessoas e do fundo, da profundidade e do movimento, fornece apenas o material de base. A cena que desperta o interesse certamente transcende a simples impressão de objetos distantes e em movimento. Devemos acompanhar as cenas que vemos com a cabeça cheia de idéias. Elas devem ter significado, receber subsídios da imaginação, despertar vestígios de experiências anteriores, mobilizar sentimentos e emoções, atiçar a sugestionabilidade, gerar idéias e pensamentos, aliar-se mentalmente à continuidade da trama e conduzir permanentemente a atenção para um elemento importante e essencial- a ação. (p. 27)
Assim percebemos que o filme falha e nossa atenção vira a mera percepção de um trabalho primordial de recriação de época com detalhes de objetos, do consultório, que salva Um Método Perigoso de ser um perigo para um simples espectador de filmes.
Um dos elementos essenciais do cinema seria uma função “terapêutica”, uma maneira de deixar a vida um pouco mais suportável, provocando tristeza, alegria e reflexões sendo um amplo reservatório contra o tédio cotidiano, mas, infelizmente, o filme Um Método Perigoso (2012), por ter um tema mais burocrático, nos traz para uma realidade um pouco forçada, seu estilo teatral, falta de atmosfera, falta de profundidade dos personagens criam uma distância entre o espectador e o filme, deixando um desavisado espectador à deriva em um mar bravio dominical sem chances de retorno ao porto seguro.
Referência XAVIER, Ismail. A experiência do Cinema. Graal, São Paulo, 2008.