1956, quando a riqueza chegava de trem
Quarenta e um milhões, seiscentos e três mil, oitocentos e cinquenta e oito cruzeiros mais oitenta centavos (Cr$ 41.603.858,80). Essa foi a soma das receitas totais geradas pela estação ferroviária de Porto União da Vitória, em 1956. Apresentado assim, sem qualquer contextualização, esse número não nos diz muita coisa. Afinal, lá se vão mais de sessenta anos, algumas moedas diferentes e nem sei mais quantos zeros cortados desde que ele era capaz de transmitir alguma mensagem por si mesmo. É necessário, então, contextualizá-lo para entendermos sua importância central.
Antes de mais nada, façamos uma conversão monetária simples utilizando o índice IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas, para saber quanto esse valor representa em termos atuais. Chega-se, assim, á cifra de R$ 25.021.692,81, ou pouco mais de vinte e cinco milhões de reais, que equivalem no câmbio de hoje (18 de março), a $ 4.503.829,64 ou, novamente simplificando, pouco mais de quatro milhões e meio de dólares. Esse foi o tamanho da riqueza gerada por nossas cidades através da ferrovia, de acordo com o relatório anual da Rede de Viação Paraná – Santa Catarina daquele ano. É muita coisa! Mas, creio, ainda podemos calibrar um pouco melhor nossa perspectiva com a consideração de mais alguns dados. Vamos a eles.
Todas as estações da RVPSC arrecadaram juntas, cerca de quatrocentos milhões de cruzeiros, em 1956. O que significa que, em termos aproximados, nossa estação respondeu, sozinha, por mais de 10% de toda a riqueza gerada pela ferrovia paranaense naquele ano, no qual o Produto Interno Bruto total do Brasil ficou, segundo o IBGE, em cerca de 111 bilhões de cruzeiros. Fazendo os devidos cálculos, descobrimos que a estação de Porto União da Vitória respondeu por cerca de 0,037% de toda a riqueza gerada no país naqueles doze meses, se minhas habilidades matemáticas, próprias de um historiador, não me enganarem. Para fins de comparação, basta considerar que, em 2017, as receitas totais das cidades de União da Vitória e Porto União, somadas (pouco menos de 278 milhões de reais) representaram cerca de 0,00014% dos mais de 2 trilhões de dólares produzidos no Brasil, no período (novamente, se minhas contas não estiverem pregando uma peça).
Finalmente: essa cifra fez com que, em 1956, a estação de Porto União da Vitória fosse a segunda mais rentável de todo o Paraná. Atrás apenas de Maringá (a qual produziu pouco mais de 59 milhões de cruzeiros em renda), e á frente de Curitiba (pouco menos de 31 milhões de cruzeiros), Londrina (26 milhões e 600 mil cruzeiros) e Caçador (40 milhões e 300 mil cruzeiros de renda). Apenas mais uma comparação que, hoje, provoca um sorriso. Todo o Serviço Rodoviário da RVPSC, responsável pelos transportes por caminhões a cargo da empresa, gerou pouco menos de 35 milhões e 500 mil cruzeiros naquele ano de 1956, ou seja, 6 milhões a menos do que nossa, na época, rica estação.
O amigo leitor, a essa altura da análise, já deve estar suspirando por aqueles tempos idos, considerando que a economia madeireira já foi, sem dúvida, o grande motor do progresso de nossa região. Caso seja o caso, deixo, então, mais uma reflexão. Maringá foi a estação ferroviária mais rentável do Paraná, naquele ano, graças ao auge da cultura do café. Foram mais de 380 mil sacas embarcadas naquela cidade ao longo do período, em direção ao porto de Paranaguá (os documentos e livros sobre o tema permitem afirmar que uma quantidade muito maior de sacas deve ter sido embarcada em direção à Estrada de Ferro Sorocabana, que as levaria até o porto de Santos, o maior exportador do país). Até aqui, o senso comum se sustenta. Nada nos permite afirmar, contudo, que a origem das rendas de Porto União da Vitória seja a extração da madeira. Na verdade, ocorre o contrário. Ao longo de toda a série de relatórios por mim analisada até o momento (iniciando em 1934), foi possível perceber que o volume de madeira embarcada em nossas cidades sempre foi relativamente pequeno, principalmente quando comparado às cifras de estações como Irati, São João/Matos Costa e Caçador. É até interessante perceber como, com a análise em série, é possível até mesmo visualizar a “caminhada” da extração em direção ao interior do estado e a regiões mais distantes da ferrovia, na medida em que as florestas iam sendo derrubadas sem que a demanda por sua madeira diminuísse. As estações de Porto União da Vitória (uma em 1905; após 1906, duas; depois de 1943, novamente uma) apresentaram como principal fonte de lucro ao longo deste período, contudo, o embarque e desembarque de passageiros, um caso único na história da RVPSC.
De fato, em 1934, as estações separadas ainda geravam pouca renda se comparadas com as demais da rede. Contudo, já naquela época ambas se destacavam tanto em quantidade de embarques e desembarques de passageiros, quanto nos lucros gerados com a cobrança de seus bilhetes. O padrão se manteve até 1952, quando a série analisada é interrompida por uma lacuna apenas sanada em 1956, data do relatório que apresenta a cifra aqui apresentada, mas, infelizmente, não apresenta discriminação das fontes dessa receita (mercadorias, bagagens, animais, passageiros, etc.) tal como ocorria nos anos anteriores. Fico, contudo, com a hipótese que pretendo comprovar ou rejeitar com a continuação de minha pesquisa. Nela, afirmo que a base da riqueza da estação de Porto União da Vitória foi em 1956, como em todo o período anterior e, talvez, posterior, o embarque e desembarque de passageiros, impulsionados pela força econômica de nossas cidades, pelos movimentos de migração para cá dirigidos e pelas oportunidades geradas pela própria ferrovia a qual, desaparecendo no início da década de 1990, levou consigo toda a pujança que ainda lutamos para recuperar. Porto União da Vitória sempre foi como já escrevi algumas vezes, uma terra de caminhos: de chegadas, partidas e passagens. Explica-se assim a razão pela qual o abandono de uma ferrovia com ótimas condições técnicas, substituída pelas péssimas rodovias que hoje nos servem, abalou muito mais nossas cidades do que outras também servidas pelos trilhos. Acontece que lá, ao contrário de aqui, as estações de fato deveram sua razão de ser à economia madeireira a qual, enfraquecendo, abriu espaço para as justificativas ao sucateamento da malha da então 5ª Seção da Rede Ferroviária Federal S/A. Sua posterior desativação até pode fazer algum sentido nestes contextos, mas jamais poderia ser justificada em nossas cidades. Aqui, o fim do afluxo de passageiros deixou como legado a busca por uma nova vocação econômica, além de transformar essa histórica terra de caminhos em um lugar para o qual, ainda hoje, é tão difícil e perigoso viajar. Até a próxima!
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