1975 II
Dores urbanas
Hora certa, dores urbanas
falsas conversas, tempo marcado,
coisas sem vida, apenas ruas,
espelhos quebrados, imagens deturpadas,
viagens sem volta, o transe do sono,
falta de imaginação, apego material,
caminhos finitos, corpos presentes,
espíritos ausentes, noites muito claras,
luzes artificiais, sons fabricados,
pouca naturalidade, vestígios do dia
que a noite aos poucos apaga,
enfim madrugada.
O vento nas árvores, praças desertas
com muita vida, a cidade em silencio
e a dor que se foi para só voltar ao amanhecer.
(escrito em 1975)
Logo após a partida dos Murara, intensifiquei minhas longas conversas com Eli Kulicheski, como ela mesma lembrou ao comentar a crônica anterior, na área da casa de sua avó Carlota e de sua tia Iracema. Onde ela passava suas férias, vindo de Beltrão onde morava. Lembro que em meu aniversário de 17 anos, ela me deu um gorro de lã que ela mesma havia feito. Como ela sabia que eu era torcedor do Coritiba, o gorro era verde e branco e ela me entregou em uma festa no Salão Paroquial da Catedral de União da Vitória, que ainda não era Catedral. Acho que foi a única vez que nos encontramos longe da área da casa de seus familiares. Ela estava com a Marisa Tagliari e eu com Nivaldo Camargo. Ainda lembro que elas estavam sentadas em cima de uma mesa, com as costas apoiadas na parede, enquanto eu e Nivaldo estávamos em pé, até que após conversarmos longamente, querendo reformar o mundo, nos sentamos ao lado delas.
Mais ou menos nessa mesma época José Renato Saldanha voltou a morar em União da Vitória. Sua casa ficava na Rua João Gualberto, bem em frente onde hoje é a Polisul. Sua casa não existe mais, seus pais morreram e nunca mais tive notícias suas. Ele havia acabado de chegar de Curitiba, onde prestara o Serviço Militar no então SPOR em 1974. Ele era um cara muito diferente, seus movimentos eram extremamente lentos, ouvia Frank Zappa, e como eu de todas as bandas de rock progressivo. Usava paletó, quando o resto da juventude usava jaqueta jeans. Comigo ele descobriu o Traffic e como não podia deixar de ser, achou sensacional.
Na Sexta-Feira Santa de 1975, fui até sua casa levar uns discos seus e buscar uns meus que estavam com ele. Bati à porta e seu pai atendeu e me mandou entrar, me conduzindo ao quarto de Zé Renato, que naquela tarde fria de abril estava coberto até a cabeça, com o quarto, completamente às escuras e com o som no volume máximo, ouvindo Dream Gerard, do mitológico disco, When de eagle flies, do Traffic. Ficamos lá no escuro, até os últimos acordes da canção, que ao terminar parece ter nos libertado de um transe hipnótico.
Evidentemente que tenho esse disco até hoje e foi justamente com Dream Gerard, que encerramos em agosto de 2011, nossa festa dos 40 anos da Patota da Barão. Na noite anterior à festa, eu Nivaldo Camargo, Marco Benghi e Edson Mendes, após muito scotch em minha casa, havíamos quase furado o disco. Em síntese, o Traffic faz parte de nossa história.
Em maio de 75 fui submetido a uma cirurgia de menisco, realizada pelo saudoso e grande amigo, João Augusto Barbosa. Já recuperado da anestesia e após minha mãe e tia Lulu já terem ido embora, fiquei na companhia de Nivaldo Camargo e Edson Mendes, que com minha anuência, me levaram para passear no corredor do hospital. Até aí nada demais. Mas como eu ainda não podia pisar eles me levaram com a cama. É claro que fomos duramente admoestados pelas enfermeiras e obrigados a voltar para o quarto, sob a ameaça de expulsão de meus bravos acompanhantes.
Ainda em maio fomos convidados para a Festa de 15 anos de Mara Marés. A festa seria realizada no Núcleo Social Odete Conti e eu pedi para a aniversariante, mais alguns convites para Paulo e Zinho que viriam de Canoinhas, com dois amigos. Obtive os convites e eles vieram. Eu e Nivaldo fomos para a festa de camiseta, com nossos velhos jeans Lee, desbotados precocemente na Qboa. Para culminar com o que achávamos o máximo da transgressão, ainda usávamos suspensórios, tênis e chapéu. Mas como nos anos 70 o lema era, é proibido proibir, a aniversariante, mesmo sob os protestos de seus pais, autorizou a nossa entrada.
O segundo semestre e o restinho do primeiro, quando eu e Nivaldo fundaríamos a War and Demolition, fica para a próxima.
Aos meus leitores do jornal impresso, desejo um feliz Natal e um ótimo 2017. Já aos meus leitores on line e do Facebook, ainda nos encontramos antes das festas.
Só para constar em ata, termino essas linhas ao som da canção, para mim lendária, The Love i lost, com Harold Melvin e seus Blue Notes, que é de 1973, mas que ouvi à exaustão em 1975. Bye.
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