A educação pelo ódio
O ódio é sempre justo. Mais, o ódio sempre está a serviço do bem. Um preso corta a cabeça de outro porque “eles” tinham matado seus irmãos. A plateia aplaude e comemora. É justificável. Pessoas morrem e há celebrações. Tudo é perfeitamente justificável. Um oficial nazista vê um bebê ser morto por outros oficiais, eles o agarram pelas pernas e batem contra a parede. O oficial espectador fica em choque e sugere: aquela criança deveria ter uma morte mais humana. Afinal, é a serviço do bem que se pratica o mal. Perfeitamente compreensível. O justiceiro não vê sua atitude como execrável, pelo contrário, ele acredita verdadeiramente estar prestando um serviço à sociedade, aos cidadãos de bem. Um estuprador só é capaz de praticar o estupro porque supõe um desejo na vítima, ele realmente fantasia que ela quer isso. O pedófilo também. Há alguma diferença estrutural entre o preso que vinga a morte dos seus e o cidadão de bem que deseja tais mortes? Absolutamente nenhuma, o senso de justiça é exatamente o mesmo. Os norte americanos sempre gostaram de explorar a morte justificando-a na infinita luta do mocinho e do bandido. Eles ensinaram a canalizar esse ódio, e a justificá-lo de modo a dirigi-lo ao inimigo. Perfeitamente justo. Até mesmo o velho testamento o ensina. Tudo não passa de uma questão de princípios, é se combatendo o mal que se pratica o bem. O efeito imediato é óbvio. Os efeitos secundários desastrosos. Houve um experimento com macacos, eles eram enjaulados e acima, no teto da jaula, havia bananas. Os pesquisadores jogavam água em todos os macacos quando um deles tentava se aproximar das bananas. Os macacos desenvolveram um controle, batiam nos macacos que causassem o banho. Eles então trocaram alguns macacos, e os mais antigos continuaram com o mesmo comportamento. Por fim, gradualmente, todos os macacos antigos tinham sido substituídos por outros, que embora não tivessem a experiência inicial, repetiam o mesmo comportamento com os demais. A educação pelo ódio é extremamente eficiente, quase indelével. Quando se aprendeu muito cedo onde repousa a causa da desgraça, e especificamente, quando se a ensina a uma criança em estado de formação do eu, esse fantasma do ‘inferno são os outros’ só poderá ser destituído às custas da destituição do próprio eu. O nó está justamente no insabido da coisa, porque quem odeia alguns serve a outros. Não é diferente a crença na justiça praticada em nome do bem, daquela praticada pelo terrorismo, porque a justificativa é precisamente a mesma. É a mesma a justificativa do policial que limpa as ruas, a mesma do político corrupto, a mesma do bandido que crê em Deus. Ninguém está do lado errado. Todos agem em nome de seus interesses e tudo é plenamente justificável. Tudo se reduzindo ao binário, como se a vida fosse uma urna. Há quem diga que o humanismo acabou, mas há quem diga que sequer chegamos lá. Mas há um ponto (literalmente) na miséria da justiça que o semblante encobre com a prática do bem, e que objetiviza (torna objeto) um insabido em fetiche, alisado no falo do poder, e que o sujeito acredita ter tão somente pra sustentar sua ausência, precisamente onde ele intui, mas não confessa: a absoluta falta do Outro. Então ele mesmo assume a função da lei e a partir daí, não há lei alguma. O falo se presentifica, justamente no milagre: onde só havia ausência, só haverá justiça, e sua prática realiza (na realidade) uma infantil fantasia familiar antiga, quem será o filhinho preferido desta vez?
Psicólogo clínico, especialista em Teoria Psicanalítica e em Neuropsicologia. Atende em Caçador e União da Vitória. giuliano.metelski@gmail.com
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