A história não os absolverá
O estupro coletivo de que foi vítima a menor de 16 anos, no Rio de Janeiro, desnuda de forma ainda mais contundente a sociedade machista e falocrática em que vivemos. O ato bárbaro e covarde, embora tenha chocado os setores mais progressistas da sociedade, chegou a ser questionado nas redes sociais, inclusive por mulheres, sob a alegação de consentimento da vítima. O absurdo dessa especulação choca tanto quanto o ato em si.
Mas me utilizo desse acontecimento para criar um link com nosso microcosmo cotidiano, no qual importantes mulheres, em não raras vezes, são menosprezadas em nome de um falocentrismo obtuso e medieval. Isso sem falar na homofobia que viceja em cabeças que achávamos pretensamente liberais.
Mas com o olhar voltado à nossa cotidianidade eu me pergunto e pergunto ao caro leitor, por que será que mulheres notáveis como a médica, Salime Farah, e a professora, Aldair Wengerkiewicz Muncinelli, nunca foram eleitas prefeitas de Porto União? Melhores e, portanto, mais bem preparadas que muitos dos que ocuparam a chefia do Executivo Municipal, Salime e Aldair foram preteridas, porque além de mulheres, tem opinião própria e como tal, jamais se tutelariam ao ranço da política partidária, comandada por homens.
O mesmo poderia dizer de Delci Hausen Christ, professora brilhante, articulada e competente e que mesmo com esses reconhecidos atributos, nunca chefiou a educação, seja em União da Vitória ou Porto União.
E o que dizer de Edy Santos da Costa, primeira mulher a montar uma clínica de psicologia na cidade e de quem, como Delci, tive o privilégio de ser aluno. Edy era formidável, com o giz em uma das mãos e o cigarro na outra, é claro que no tempo em que fumar em locais fechados, público ou privado, era permitido, discorria com leveza e ao mesmo tempo com extrema profundidade, sobre filosofia, ora incursionando na psicologia, ora na sociologia, no entanto, nunca foi diretora da faculdade, nem dirigiu a educação em União da Vitória e Porto União. E o que dizer também de Lulu Augusto, que em 1953, ainda muito jovem, criou o Jornal Caiçara, em uma época em que a sociedade era ainda mais conservadora. Lulu dirigiu Caiçara por 62 anos, até sua morte, ocorrida em 13 de março de 2016. Seus 62 anos de vanguarda, de feminismo convicto, não lhe proporcionaram sequer um voto de pesar do prefeito de sua cidade, o senhor Pedro Ivo, omisso, calado, não sei se por ignorância, insensibilidade ou chauvinismo, ou talvez pelos três juntos.
Cabem aqui dois parênteses, a Prefeitura de Porto União e a Câmara de Vereadores de União da Vitória, reconheceram publicamente, a significação do trabalho de tia Lulu e enviaram votos de pesar à nossa família.
O segundo parêntese se refere ao fato de que tia Lulu mesmo não sendo petista, foi até seus últimos dias de lucidez, ferrenha defensora de Dilma Roussef, dizendo sempre que o calvário da presidente hoje afastada era pelo fato dela ser mulher, pois homens como Lula, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, muito mais envolvidos do que ela, em operações escusas, não eram tão criticados.
Talvez seja em momentos como esse, que nós homens libertários devamos erguer nossas vozes, seja nas ruas, na mídia, nas redes sociais e em nossas casas e junto com as mulheres libertárias, darmos um basta naqueles que se não apregoam o falocentrismo o admitem assim como, naqueles que se omitem diante da misoginia.
Aos que ocupam cargos públicos e se omitem ou adotam posturas misóginas ou homofóbicas, seja em nome de um conservadorismo anacrônico ou de uma canhestra religiosidade, moralista e hipócrita e como tal, ainda mais patética, resta uma única certeza, a história não os absolverá.
Texto republicado em função de falha na impressão, na edição da semana passada.
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