A jovem, o shopping e os engravatados
Um pequeno grupo de sete pessoas entra em um movimentado shopping center de uma conhecida cidade brasileira. Destes, dois se destacam claramente como os de maior idade, ainda que estejam longe de completar quarenta anos. Os outros cinco são todos adolescentes: três moços e duas moças. Todos se divertem e os sorrisos são fartos. Sem dúvida alguma se trata de uma ocorrência não usual na vida deste grupo, bastando para confirmar esta afirmação comparar seus semblantes com os dos demais transeuntes do shopping. Aqueles animados, festivos, receptivos a experiência vivida. A maior parte destes sérios, quase mal humorados, claramente em modo automático, alguns transparecendo claramente o desejo de voltar o quanto antes para suas casas. Dentre os cinco jovens, contudo, uma garota se destaca. Celular em punho, praticamente cada passo dá ensejo a uma nova fotografia. Cada corredor do iluminado shopping, cada fachada chamativa de enfeitadas lojas, a decoração característica do Natal (embora ainda estejamos na primeira metade de novembro) brilham nos olhos da garota. O simpático senhor fantasiado de Papai Noel; as bolsas caras de uma loja conhecida; até mesmo as cores da praça de alimentação provavelmente dormem, hoje, no álbum de fotografias do seu celular. O singelo lanche por muitos ingerido sem qualquer sinal de emoção foi por ela saboreado à exaustão. Qualquer um que a observasse com o mínimo de interesse não teria a menor dúvida sobre o que estava presenciando: era sua primeira vez em um ambiente como aquele.
Desnecessário dizer que eu fazia parte deste grupo. A cena descrita bem poderia estar referida a uma viagem de férias, ao prêmio de algum concurso de rádio tão conhecido das cidades de nosso imenso interior, ou mesmo a algum desses programas de televisão que conquistam grandes audiências ao proporcionar experiências marcantes a pessoas que, de qualquer outro modo, não as teriam. Mas eu estava, juntamente com um colega professor, acompanhando um grupo de estudantes de nossas cidades. Estávamos em Foz do Iguaçu para participar de um evento científico internacional no qual estes cinco jovens iriam apresentar seus trabalhos de pesquisa elaborados ao longo de meses de árduo trabalho e muita perseverança. Todos eles contaram com auxílios oferecidos pelo Instituto Federal do Paraná, a partir de verbas repassadas pelo governo federal. E a cena descrita logo acima é um exemplo real do processo de inclusão social através da educação em pleno andamento em nossas cidades.
Processo este que corre sério risco de interrupção. Afinal de contas, sob o aplauso de muitos, estas mesmas verbas que propiciaram esta experiência única na vida de uma jovem moradora de um dos muitos bairros carentes de nossa comunidade estão na iminência de deixarem de existir, sob o jugo das canetas de pessoas que certamente caminham apressados nos shoppings de grandes capitais, ansiosos por chegar logo em casa e sem muita vontade sequer de saborear o alimento que estão ingerindo. Para eles, isto tudo é banal, sem importância, secundário. É preciso ter estado junto a esta jovem naqueles momentos únicos para compreender a real dimensão do potencial transformador de uma educação inclusiva de qualidade. Aqueles que tem o poder das canetas e dos votos decididos em troca de cargos e favores políticos variados certamente não possuem essa compreensão. E os outros tantos que os aplaudem, do alto de seus confortáveis sofás localizados em frente a televisões ligadas, revistas indignas sequer de reciclagem em mãos, podem até compreender a importância da educação, mas certamente ainda não foram capazes de vincular a séria ameaça por ela sofrida nestes tensos momentos que o país ora atravessa.
É preciso mais uma vez lembrar: existem muitos, mas muitos gastos estatais que podem ser devidamente controlados como medida para sanear as finanças do país. Subsídios variados, verbas de gabinete, desvios levados a efeito pela corrupção, evasão de divisas levada a efeito pela sonegação de impostos, possibilidade de tributar grandes fortunas e grandes heranças são apenas alguns poucos exemplos. Alterados os algarismos destas planilhas, não haverá necessidade de teto para educação nem para saúde. E mais jovens poderão contar com o necessário auxílio para se tornarem conhecidos em cidades distantes, levando o nome de sua própria comunidade para locais nos quais poucas vezes ela havia sido ouvido. Através da educação, que lhes possibilita realizar pesquisas relevantes para toda a sociedade. A estudante por mim descrita nesta semana, inclusive, foi premiada como destaque na área de Ciências Exatas deste importante evento internacional. Tendo vindo de um bairro pobre, e tendo experimentado a sensação de, pela primeira vez, entrar em um shopping center e conhecer as lindas cataratas. Coisas que só um país preocupado com seu futuro pode proporcionar. Dói perceber que, infelizmente, este não parece ser o caso, e saber que, provavelmente, no próximo ano não haverá viagem, pois não haverá auxílio financeiro para que ela ocorra. Aquele shopping de Foz do Iguaçu estará mais vazio. E a juventude de nossas cidades sentirá o impacto desta ausência muito mais do que os elegantes engravatados de Brasília, com suas palavras difíceis, suas infindáveis negociações políticas, e sua completa falta de conhecimento do quão saboroso pode ser um pedaço de pão saboreado em uma praça de alimentação na época do Natal. Até a próxima!
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