A Música do Acaso
Um dos mais significativos escritores em língua inglesa, da atualidade, é o americano Paul Auster, autor de uma vasta obra literária iniciada em 1990, com Palácio da Lua. Aproprio-me aqui do título de seu segundo livro, A Música do Acaso (1992), para tecer uma crônica na qual uma rede de acasos, tendo como fio condutor a música, me ligou a algumas pessoas ao longo de minha vida e continua a fazê-lo.
Desde muito garoto comecei a me interessar por música.
Minha família tinha, e ainda tem, uma vasta coleção de discos em 78 rotações. São aqueles discos de acetato, anteriores ao vinil.
Quando criança, ocasião em que meus tios dirigiram a Rádio União, eu ouvia os sucessos da época, mas também me atraiam coisas dos anos 40 e 50.
Assim me iniciei no mundo da música, passando a tomar efetivo gosto por ela, no convívio com minhas primas, algumas um pouco mais velhas do que eu, e, que no final dos anos 60, já possuíam um grande número de compactos. Aos 12 anos, já gostava muito de música e ganhava muitos discos de presente e os comprava sempre que ganhava algum dinheiro, o que me levou, ao longo dos anos a amealhar uma coleção de cerca de 300 compactos, 1.200 Lps e 1.500 Cds.
No final dos anos 60, ouvi pela primeira vez a canção Je T’Aime moi non plus, composta por Serge Gainsbourg para sua musa a atriz e cantora Jane Birkin. Ouvi-a em Pato Branco, em um compacto de minha prima Jane, que já me apresentara entre outras pérolas, Comment te dire adieu, na voz de Françoise Hardy e de autoria dela própria e, coincidentemente, também de Serge Gainsbourg.
Je T’Aime…havia sido proibida pela ditadura militar, que a achava, excessivamente, libidinosa. Os sussurros de Birkin não passariam no index da ditadura, mas o jornal O Pasquim, um marco da transgressão e uma das poucas vozes da imprensa a se posicionar contra os excessos da censura, dando um fantástico drible nesta, lançaria o disco em 1969, como parte integrante de uma edição do jornal e que seria apreendido logo depois de chegar às bancas.
Mas entre os que o compraram lá estava Jane, que conseguiu faze-lo antes de sua apreensão.
Além das canções citadas acima, ouvi pela primeira vez também em Pato Branco, a contagiante e emblemática, Aquarius/Let it sunshine in, uma das canções símbolos da conturbada época, com o Fifth Dimension e ainda Hey Jude com os Beatles e Sealed with a Kiss, com Paul Anka e que minha mãe gostava muito, o que faria com que minha prima Jane a presenteasse com o disco, alguns anos depois.
Eu o tenho até hoje.
Só voltaria a ouvir Je T’Aime moi non plus, uns cinco anos depois. Uma amiga, que era também minha vizinha, Marisa Salussoglia, um belo dia apareceu com o disco em minha casa. Nós ouvíamos música na garagem da casa de minha mãe.
Ela trazia uma pilha de compactos e eu levava outra pilha e uma vitrola portátil.
Aí, certa noite resolvemos ouvir o outro lado do compacto e lá estava a belíssima Jane B, que Gainsbourhg colocara letra na magnífica melodia composta por Chopin.
Só, anos mais tarde, já adulto, fui ouvir o Prelúdio N° 4 em Mi Menor, Op. 28, de Chopin, que durante minha adolescência conheci apenas na voz de Jane Birkin.
Assim foi com meus amigos Marco Benghi e Oldemar Rochembach, que morreu de forma prematura em um acidente de moto no início dos anos 80.
Em meados dos anos 70, quando eu tinha o Alucinasom, cujo nome foi escolhido por outra de minhas primas, Lenita, que também a música nos aproximava. Marco e Oldemar também tocavam em festas, com o seu Fireball.
Eu era mais eclético e transitava com desenvoltura do rock ao soul, passando pela MPB, eles eram rockeiros de carteirinha. Gostavam, principalmente, de rock progressivo e como eu, do Pink Floyd, Yes, Focus e Genesis. Ai havia muito assunto.
Marco mora em Joinville e conversamos, esporadicamente, pela Internet e é claro sobre música.
Ainda na metade dos anos 70 conheci José Renato Saldanha, que havia prestado serviço militar no então SPOR em Curitiba e acabava de voltar pra casa.
Ficamos amigos de cara e unia-nos uma profunda admiração pelo sofisticado som do Traffic, em especial, pelo disco Whenthe eagle flies, no qual a banda fazia uma fusão perfeita entre o rock e o jazz. Nunca mais o vi, depois que foi embora de União da Vitória.
Também na primeira metade dos 70 conheci Fernando Boni, que na temporada de verão tinha uma boate em Camboriú, Kizumba, mas no resto do ano morava em União da Vitória e vivia de animar festas.
Trocamos alguns discos e gravei dele um dos primeiros discos de Gary Glitter, um dos precursores do chamado glam rock. Boni era tão ligado à música, que sua primeira filha se chamou Chrysalis, que era o selo pelo qual saiam os discos do Jethro Tull entre outros. Encontrei-o em Curitiba nos anos 80, depois não o vi mais.
A década de 70 foi pródiga em música e em fazer amigos, por meio dela, sendo Malu Espanhol, nome de solteira, uma delas. Malu embora nutrisse verdadeira paixão pelo rock’n roll, traria uma fita cassete de São Paulo com músicas soul, entre as quais a bela balada de Jimmy Helms, Gonna make you an offer you can’t refuse.
Também nessa época conheci Tito Schmitt, que em uma festa que tocávamos no Núcleo Social, ouviu tocarmos a música Love Reing or me, com o The Who.
Ficamos amigos ali e trocamos, para gravar, inúmeros discos. Ele, como eu também, havia descoberto o som da Philadelphia, o que renderia longas conversas.
No final de 1975, comecei a andar com Celsinho Passos, meu companheiro de futuras promoções musicais, sendo a mais bem sucedida delas a The Sixty Dancin’ Night, que organizaríamos no Clube Concórdia nas férias de julho de 76, em parceria com seu irmão Irian Passos, que ficaria responsável pela decoração, criando a Bizarre Promotions, enquanto eu e Celsinho montávamos a seleção musical.
Eu já era amigo de Celsinho há algumas semanas, mas ainda não conhecia Irian muito bem, e, numa madrugada fomos eu e Celsinho à sua casa para apanhar uns discos, não lembro onde estávamos e para onde íamos voltar, e lá chegando, me deparei com Irian lendo um livro na sala e ouvindo a lendária banda Earth, Wind and Fire, mais especificamente, a belíssima All about love. Ficamos amigos no mesmo instante.
Amizade que duraria até sua morte em 1996.
Dias atrás ganhei um cd de minha amiga a arquiteta Paola Cazamajou Côrrrea, dona de um refinado gosto musical, e lá estava o Prelúdio N° 4, dessa vez em magistral interpretação de Gerry Mulligan, um dos mais geniais saxofonistas barítono da história do jazz.
É mais uma vez a melodia do acaso povoando minha vida e me ligando em épocas distintas a diferentes amigos, mas todos ligados por uma afinidade eletiva, a música.
Foram muitos amigos, com alguns ainda mantenho contato, outros a vida nos fez trilhar diferentes caminhos e alguns nunca mais vi, mas sempre o mesmo elo, a música, que me levaria a fazer muitos outros amigos. Mas esses serão assunto para uma de minhas próximas crônicas.
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