A partida de nossa inspiradora
Quando conclui minha dissertação de mestrado, dediquei-a ao mestre Isael Pastuch e a minha tia Dina Augusto, falecida em 2004.
Na dedicatória eu dizia que à tia Dina devia o gosto pela leitura. Pura verdade, mas eu precisava reparar uma pequena injustiça e a fiz ao publicar em minha coluna Caros Amigos, aqui no Jornal Caiçara e, posteriormente, em meu livro Meus Caros Amigos, publicado em 2014. Também devo o gosto pela leitura à Maria Daluz Augusto, minha tia Lulu, falecida domingo, 13 de março, deixando em nós uma sensação de vazio impreenchível e uma lacuna, igualmente, impreenchível na imprensa de União da Vitória e Porto União, onde foi precursora. Tia Lulu na época da conclusão de meu mestrado figurou nos agradecimentos, ao lado de minha mulher, minhas filhas, minha mãe entre outros que me ajudaram e, sobretudo, apoiaram. Mas voltando ao gosto pela leitura, aprendi a ler e a escrever antes de entrar na escola, ensinado por minha mãe e tias Lulu e Dina, ávido que era para ler as já então clássicas revistas em quadrinhos do Saci Pererê, criadas por Ziraldo e, principalmente, Bolinha e Luluzinha, minhas preferidas na época, e que a Tia Lulu havia guardado para eu ler, quando tivesse aprendido. Li reli e guardei para minhas filhas que também as leram e releram infinitas vezes. Tenho essas revistas guardadas até hoje, junto com a maioria dos clássicos da Marvel Comics, que eu comprava no final dos anos 60 e início dos 70, com o dinheiro que ganhava cobrando assinaturas de nosso Jornal Caiçara, criado por tia Lulu em, 12 de agosto de 1953, sempre dirigido por ela, o que por si só já demonstra sua coragem, vanguarda e inabalável fé na justiça. Nestes 62 anos de história, tia Lulu travou batalhas contra poderosos, inclusive a primeira delas que resultou na criação de Caiçara.
Já disse na crônica original que não só eu, mas minhas filhas, devemos grande parte de nosso gosto pela leitura à tia Lulu e, provavelmente, também nosso gosto pela arte. Minhas filhas cresceram ouvindo histórias do Bolinha que eu contava para elas dormirem, até que aprenderam a ler e puderam relembrar as histórias que eu contava. Ainda hoje lembramos algumas, em especial, a do Sapo, em que nosso indefectível herói, Bolinha França se vê às voltas com fantasmas e que eu contei infinitas vezes para elas e hoje conto para minha neta, Isabela, que certamente, as lerá quando tiver aprendido a ler. Nina Rosa era a mais difícil de fazer dormir e ainda nos lembramos de que uma vez tive que contar essa história que menciono, nove vezes.
São histórias, passagens da infância de minhas filhas, muito apegadas à avó Ofir e às tias Lulu e Dina, que se construíram a partir das histórias em quadrinhos que eu havia lido em minha infância.
Das histórias em quadrinhos foi um pulo para os livros, começando a ler pequenos contos de mistérios que encontrava em uma fenomenal coleção de livros de meu avô Dídio e que reunia os mais célebres contos da literatura mundial, como O Corvo, de Edgar Alan Poe.
Dos contos de mistério passei à literatura policial, ingressando no mundo de Hercule Poirot, o seminal detetive criado por Agatha Christie.
Como eu não trabalhava, apenas estudava, comprava os livros e discos de que gostava, fazendo as cobranças para o Jornal Caiçara e recebendo uma generosa comissão de tia Lulu.
Em 1977, aos 19 anos, comecei a escrever a coluna Câmera 1, em nosso jornal e aqui estou até hoje, já há 39 anos.
Comecei escrevendo crítica de cinema, incentivado por Maria Daluz, quando Caiçara tinha apenas 23 anos – era, portanto, quase de minha idade na época.
Sou o que Marshall McLuhan chamou de homem tipográfico, muito ligado à escrita e à leitura, embora hoje, quase não consiga mais ler e necessite que alguém leia para mim. O gosto pela leitura é, certamente, uma relação atávica, com meu avô e demais familiares, de quem também herdei o gosto pela música, tanto que a exemplo de meus tios René e Lulu, também trabalhei em rádio.
No final dos anos 70, e, início dos 80, fui Diretor de Programação da Rádio União.
Como o caro leitor pode observar é uma longa relação com livros, revistas e jornais, adquirida com essa, que não é apenas a personagem desta crônica, mas uma das principais personagens de minha vida, Lulu Augusto, que muito mais que uma tia, foi também um pouco minha mãe e avó de minhas filhas. Como disse em breves palavras, ao homenageá-la em seu funeral, tive o privilégio de ter três mães, a biológica, D. Ofir e minhas tias Dina e Lulu. Mas como todos os privilégios, eles quase sempre nos custam caro, pois sofri a dor da perda três vezes, entretanto, em meio às lágrimas originadas pela perda e saudade consigo prosseguir inspirado nos exemplos de tia Lulu e sobretudo no amor que ela dedicou a mim e as minhas filhas.
Você partiu como viveu, lutando até o derradeiro minuto e então seguindo ao encontro do criador e de seus entes e familiares queridos, que a receberam em festa.
Quanto a nós que aqui ficamos, ganhamos mais um anjo a nos proteger e a inspirar ainda mais.
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