A praça da Estação e nosso compromisso com a História
Porto União da Vitória, em algum dia do mês de maio de algum ano localizado entre as décadas de 1910 e 1950. Durante este espaço de tempo propositalmente longo, qualquer pessoa que quisesse se inteirar das últimas notícias chegadas “ainda quentes” das maiores cidades do país, ou ainda que quisesse encontrar algum parente ou conhecido que estivesse chegando em demanda do movimentado núcleo urbano localizado às margens do rio Iguaçu, saberia exatamente para onde devia se dirigir. Poderia ser o caso também de alguém estar à espera daquela correspondência que teimava em não chegar, ou ainda da chegada daquela encomenda que atrasara a tal ponto que sua viagem poderia ser comparada às realizadas pelas composições da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina (RVPSC). Se estivéssemos nesta situação, entre as décadas citadas, também saberíamos no ato para onde deveríamos nos dirigir.
Ao longo da primeira metade do século XX, é bem verdade, não existiam muitas opções de passeio na promissora, porém longínqua, cidade fundada às margens do vau descoberto em 1842. De fato, para a pequena população que aqui vivia naquela época a estação ferroviária provavelmente representava tanto quanto as igrejas matrizes em grande parte das cidades localizadas no interior do país, até os dias atuais: um ponto de encontro, um local de passeio, de lazer, de cultivo das relações interpessoais. Não é difícil imaginar as pessoas circulando em volta do antigo prédio de madeira (apenas na década de 1940 substituído pelo atual, de alvenaria, projetado de acordo com as mais avançadas técnicas de arquitetura vinculadas ao art déco) nos horários próximos da chegada e da partida dos trens vindos tanto de São Paulo quanto da região sul.
Ponto obrigatório de troca de locomotivas, dadas as características distintas da ferrovia uma vez atravessado o rio Iguaçu pela já lendária ponte inaugurada em sua versão primitiva nos idos de 1905, a estação de Porto União da Vitória impunha aos passageiros que por aqui passavam uma escolha composta de apenas duas opções: ou continuavam nos seus lugares durante um período que poderia durar até duas horas (em alguns casos mais que isso) até que sua viagem pudesse prosseguir, ou desciam da composição para esticar as pernas, conversar com as pessoas que se localizavam nas redondezas, talvez comprar uma pipoca ou alguma outra guloseima ofertada por comerciantes locais. Este intenso movimento, é fácil imaginar-se, não poderia ocorrer dentro dos acanhados limites da estação. Para isto existia a “praça da Estação”.
Era neste local que a cidade se encontrava consigo mesma e, imersa nas conversas entretidas por seus próprios habitantes, recebia todos aqueles que por aqui apenas passavam, em demanda de outras paragens mais longínquas nas quais compromissos profissionais, familiares ou simplesmente de lazer lhes esperavam com as demandas mais variadas. Era nesta praça que as novidades se faziam presentes vindas de muito longe, que famílias conquistavam o ganha-pão das mais diversas maneiras, que casamentos se iniciavam a partir de envergonhadas trocas de olhares ou de galanteios seguidos de sorridos espontâneos… que a vida, enfim, se agitava. Não é outra a razão pela qual os principais hotéis escolheram as proximidades deste logradouro para se estabelecerem. Era nas proximidades da praça que os moradores mais prósperos do lugar construíam suas casas, tão mais imponentes quanto melhor era o momento econômico atravessado pelo país, pelo estado e pela região. Era dali que as lojas e barracas procuravam se acercar, sempre em busca dos recursos trazidos por aqueles viajantes que seriam responsáveis por garantir a sobrevivência de toda uma gama de profissionais liberais. Era ali que a cidade pulsava a intervalos regulares, pautada pelo sino das composições.
Não que a praça da Estação fosse um lugar que pudéssemos definir como “agradável” ou, mesmo, que pudesse ser chamada de “praça” no sentido que hoje damos a este termo. Pouco mais do que um espaço aberto a separar a estação dos hotéis localizados do outro lado da rua, não é raro encontrar nos documentos mais antigos reclamações quanto às condições do espaço que, especialmente nos dias de chuva – ocasiões que, hoje sei, ocorrem com bastante frequência por estas paragens – representava um obstáculo quase intransponível de água e lama para todos aqueles que decidissem “esticar as pernas” enquanto aguardavam a troca da locomotiva que lhes permitiria seguir viagem. Mesmo nas ocasiões em que o clima estava menos hostil, também é comum encontrar relatos de abordagens indesejáveis realizadas a viajantes que optassem por chegar sozinhos aos hotéis durante a noite e, para isso, se dispunham a enfrentar sozinhos a escuridão que separava a estação destes prédios. Descrições que eram quase sempre seguidas de pedidos de providência por parte do poder público para que a praça, que afinal de contas servia de cartão de visitas de todos aqueles que chegavam à cidade pela primeira vez, recebesse os cuidados necessários para que pudesse cumprir bem esse papel.
O tempo passou e os cuidados tantas vezes pedidos, enfim, chegaram. Foram várias as reformulações pelas quais passou este espaço que conseguiu se manter, mesmo após a decadência e posterior desativação da ferrovia, como um dos principais locais de encontro de nossas cidades. Se é bem verdade que não com a constância de outrora, a atual praça Hercílio Luz, moderna roupagem daquela antiga e tantas vezes descrita praça da Estação, ainda atrai os moradores de Porto União da Vitória interessados em aproveitar as atrações da Festa do Xixo, em acompanhar as palestras e peças encenadas no Ópera ou, simplesmente, em tomar um sorvete e “jogar conversa fora” nas agradáveis tardes de verão características do vale do Iguaçu.
Oportunidades nas quais qualquer um pode desfrutar dos ecos do passado retumbados com alarido pelas fachadas históricas que ainda projetam suas sombras sobre o moderno chafariz de concreto armado. Oportunidades únicas que várias cidades do país dormem sonhando em ter sendo, contudo, forçadas a acordar lamentando a má sorte de não ter sabido valorizar no momento de preservá-las. Basta um breve passeio pela praça para rapidamente nos darmos conta de que nosso momento, no que tange a essa necessidade de preservação, está passando. Nossos prédios históricos deterioram-se sem qualquer cuidado, ameaçando ruir a qualquer momento deixando para trás apenas a memória apagada de sua glória passada. De um tempo no qual a praça não possuía chafariz ou bancos de descanso, mas no qual nossas cidades pulsavam, vibrantes, ao som dos sinos dos trens. Urge posicionarmo-nos na defesa de tão importantes monumentos de nossa trajetória histórica. Ou restará apenas os lamentos daqueles forçados a entender seu passado a partir do simples som de sentenças iniciadas com “aqui neste local existia uma construção muito importante que, infelizmente, desabou graças à ação do tempo e de nosso próprio descaso”. Até a próxima!
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