A real importância da História
A palavra “história” pode evocar os mais diversos significados, dependendo daquele que a escuta ou profere. Para uns, pode evocar memórias longínquas de aulas mal compreendidas ou mal proferidas, nas quais nomes estranhos de personagens inacessíveis se confundiam com datas de acontecimentos cujos nomes eram dotados de muita pompa mas pouca importância para a mente inquieta de jovens ansiosos demais para prestar atenção. Para outros, pode despertar lembranças de trajetórias marcantes dentro de sua própria família, trajetórias estas que podem convidá-los a, por sua vez e por seus meios, buscar compreender o caminho que eles mesmos percorreram até chegar ao momento no qual se encontram. Para um terceiro grupo, finalmente, pode representar a existência de prateleiras sóbrias lotadas de livros empoeirados, daqueles que os fazem espirrar em profusão mas provocam pouca curiosidade pelas palavras numerosas e potencialmente incompreensíveis que trazem em seu interior.
Para quase todos, “história” remete ao conhecimento de fatos iniciados e concluídos em algum momento do passado. Acontecimentos únicos há muito ocorridos e que, por sua própria originalidade, certamente não voltarão a ocorrer no futuro. O Brasil só foi “descoberto” uma vez. Não tem como sê-lo novamente. Só se tornou independente uma vez. Neste sentido, não teria porque repetir esta decisão. Duque de Caxias só existiu um. Assim como ninguém nunca conseguirá emular o que dom Pedro II fez durante seu longo reinado. A história torna-se, deste modo, um conhecimento longínquo tanto no tempo como no espaço, sem maior importância para o presente que não a veneração de personagens pretensamente admiráveis. Em uma palavra: chato. Próprio daquelas aulas que ninguém entende porque são necessárias, mas todos suportam com a indisfarçável má vontade daqueles que sabem ter algo melhor para fazer em qualquer outro lugar que não aquela sala e não com aquelas pessoas que lá estão.
De fato, poucas ideias poderiam estar mais longe da verdade. A história nem é uma sucessão de fatos desconexos e nomes inacessíveis, tampouco é o estudo de acontecimentos pertencentes ao passado. A história é o estudo de nós mesmos, de nossas origens e de nossa trajetória, trata-se simplesmente da disciplina mais indicada para explicar porque estamos onde estamos e porque somos como somos. Nada do que ocorreu no passado pertence somente a estas épocas recuadas no tempo e, portanto, longínquas de nós. Gosto sempre de fazer a comparação com nossa própria vida. Realmente acho pouco provável que alguém vá dizer que aquele avô querido que já se foi, aquele primeiro emprego, aquele título do time do coração festejado com tanto entusiasmo, nada tenham a dizer sobre o que somos hoje.
Aquela pescaria tão viva na lembrança está carregada de palavras, trejeitos, brincadeiras e expressões que simplesmente foram fundamentais para determinar nosso futuro. Naquele primeiro emprego aprendemos valores e adquirimos vícios que podem ajudar a explicar nossas facilidades e nossos obstáculos no ambiente profissional atual. Aquele título provavelmente nos permitiu extravasar sentimentos que de outro modo continuariam escondidos, e certamente nos ensinou a sempre manter a fé mesmo nas coisas sobre as quais não possuímos qualquer controle. Assim se passa com as pessoas. Que seria de um indivíduo que não trouxesse consigo toda a bagagem de memórias que formaram sua personalidade? Certamente seria alguém com sérios problemas, dignos dos mais complexos tratamentos psicológicos. Provavelmente teria problemas em se situar no mundo, em tecer relações com outras pessoas. Provavelmente viveria ansioso por não saber quem é, e o que esperar de si mesmo – já que não poderia recorrer ao passado para buscar qualquer parâmetro de comportamento que permitisse a previsibilidade. Com certeza seria uma pessoa bastante confusa. Pois então. Se assim é com as pessoas, o mesmo se passa com as sociedades. A história lhes serve de memória de suas próprias trajetórias, lhes oferece as necessárias advertências com relação aos erros cometidos e oferece os melhores modos de prever seu comportamento e melhorá-los continuamente. A história, em suma, evita que estas sociedades se tornem grupos humanos confusos, sem identidade, sem qualquer rumo. Que é exatamente o que acontece com aqueles grupos humanos que teimam em ignorar sua própria trajetória abrindo mão, deste modo, de compreender suas escolhas, suas virtudes e defeitos.
O amigo leitor, creio, já compreendeu neste ponto aonde quero chegar. Certamente já relacionou as linhas acima com suas lembranças dos tempos escolares, e já questionou, quase contra sua própria vontade e praticamente sem perceber, em uma fração de segundo, como a sociedade da qual faz parte lida com este conhecimento tão fundamental para seu próprio sucesso. A resposta obrigatória a esta pergunta é, infelizmente: muito mal. Nossos jovens seguem ansiosos demais pelo futuro abrindo mão, como estratégia para antecipá-lo, de compreender o caminho que o trouxe até aqui. Do mesmo modo, muitos de nossos professores seguem sem compreender completamente seu papel fundamental na construção de uma nação melhor e seguem, quase automaticamente, repetindo os mesmos rituais pedagógicos que nos tornaram um povo sem memória, condenado a repetir os mesmos erros que se imaginava a muito abandonados. Seguimos andando em círculos. Sem rumo. Sem identidade. Confusos. Seguimos nos perguntando quais são os caminhos que nos levarão a um futuro mais vantajoso, sem perceber que os mesmos já estão indicados nos passos palmilhados em um passado não tão distante. É preciso nos lembrarmos. É preciso nos compreendermos. É preciso valorizarmos nossa própria história. Não tenho a menor dúvida de que, agindo deste modo, estaremos trabalhando proveitosamente para nos tornarmos não apenas indivíduos melhores mas, também, uma sociedade muito melhor. Até a próxima.
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