A resistência do ponto de vista técnico
Quando em análise se está diante daquilo que Jung gostava de chamar de complexo surge a resistência. Nunca falei de política aqui e não o farei agora. Trata-se de um conteúdo inconsciente mobilizado por algum material que o toque e dá aparência de desimportante, arriscado, sensível ou pesado demais para falar. Geralmente ela aparece em associação com os assuntos mais íntimos, no calor da transferência sob sua forma negativa, hostil. Muitas vezes também pelo silêncio, o que significa que a resistência tomou lugar de uma fala. Não resta muita alternativa ao analisante senão falar da própria resistência e o caminho via de regra vai se alargando até que deixe escapar seus motivos. Desfeitas as conexões que erigiram tal resistência chegamos ao conteúdo latente e notamos que as mesmas resistências, ou antes a negação delas, foram as responsáveis por isolar o conteúdo da consciência. Ela também tem uma outra fachada, mais falsamente disfarçada, e se manifesta através da banalidade: o sujeito escolhe os assuntos mais triviais possíveis, na tentativa de mais uma vez recalcar aquilo que seria de importância em sua história. Acontece que nem sempre o que é de fato importante está contido nos fatos históricos, e em geral não está, mas à interpretação que é dada a eles. O analista assume então parte nessa fantasia e recebe através da transferência os conteúdos atribuídos a originariamente uma figura mais familiar. Em casos mais favoráveis, logo passa a ocupar o lugar do objeto e em face a sua presença/ausência confundir-se com as qualidades do próprio sujeito. Como é tarefa difícil falar tanto de si (Nietzsche dizia que isso é uma forma de se esconder) surge o fenômeno da projeção e o desejo do analista permite que a fala do analisante perpasse-o garantindo seu retorno como mensagem invertida. A resistência é assim driblada embora ainda necessite interpretação. Aqui surge outra dificuldade cuja solução requer tato: a própria interpretação é capaz de reforçar a resistência. Isto é geralmente superado por um período de elaboração, se e somente se a interpretação for correta. Sendo bem sucedida o efeito é de redução dessas resistências, as associações tornam a fluir com naturalidade e o analisante tem a sensação de ter ultrapassado uma barreira. Há uma grande quantidade de material represado por trás da resistência. O assunto em questão vai gradativamente perdendo importância, ou antes dá lugar a outro, e mais tarde descobrimos haver igualmente uma conexão entre esses dois assuntos. Essa rede aglutinada pelo deslizamento do significado estende-se a uma infinita variação, muito embora o que marque sua estrutura seja o aspecto repetitivo. Notamos que por mais que o sujeito transite pelos mais variados temas que pode, ele é novamente capturado por algo regular em todos eles, estamos diante de uma compulsão à repetição. Quando não há mais meios de mencioná-la, de fazer alusão a ela, deparamo-nos com a atuação do analisante. Ele passa a comportar-se como desejaria tê-lo feito no passado, reivindica sua posição, e transmite o significado de seus atos sempre dirigidos a alguém. Eles tornam-se signos endereçados à transferência, em que ela é artificialmente amor. A atuação pode chegar ao extremo da passagem ao ato e em casos igualmente extremos ao deixar-se cair pela janela. Quando se interpreta a resistência no sentido da realidade sempre corre-se esse risco. Tarde ou cedo demais a angústia revela uma atopia do sujeito, representada simbolicamente por esse deixar-se cair. A alternativa mais cabível vai na direção da elaboração da própria repetição por uma via que não pode ser de todo dita pelo analisante cuja acolhida é de extrema importância. Obviamente a mensagem a ser decifrada depende de alguma transferência, e consequentemente da análise dela. Quando as coisas caminham bem a interpretação opera a favor do reconhecimento desse padrão repetitivo e tal como nas resistências anteriores a revelação de traços que formam em retrospecto a própria repetição. Quando se consegue reconhecê-la surge a convicção de uma falta significante primordial cujo nome vela. É a partir daí que se pode falar com propriedade em inovação, retificação subjetiva, ou verdadeiramente em análise.
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