A solução não é mais polícia, é mais educação
“Um menor é apreendido em flagrante a cada três horas em São Paulo”. O leitor há de me desculpar por iniciar a coluna desta semana copiando inteiramente a manchete do jornal Folha de S. Paulo do último domingo, mas acredito que a mesma é simplesmente eloquente demais e sintética demais para ser descartada como o início desta nossa conversa. O conteúdo da reportagem é ainda mais sintomático de algo que precisa ser discutido. Apenas nos últimos cinco meses, e apenas na cidade mais populosa do país, foram 1.333 apreensões de menores de idade, ou cerca de 10% de todos os flagrantes ocorridos no município em todo o período. Quando o universo de comparação se torna o Estado que, é sempre bom lembrar, é não apenas o mais populoso mas também o economicamente mais poderoso do país, a proporção sobre para estonteantes 15%. Dentre os crimes cometidos, 95% encaixam-se em apenas três categorias: roubo, tráfico e furto. Dos 5% restantes, 0,5% podem ser qualificados como casos mais graves, tais como homicídios, latrocínios e estupros.
Gosto muito de algumas reportagens veiculadas pela Folha de S. Paulo por dois motivos principais. O primeiro deles é que, não raro, elas se baseiam em profusão de números e gráficos, os quais nos permitem ter uma visão razoavelmente ampla do fenômeno abordado. E o segundo é que, com maior frequência do que ocorre em outros veículos de imprensa do país, as análises veiculadas por este jornal são razoavelmente imparciais. Digo razoavelmente porque sei que é impossível apontar qualquer jornal ou noticiário como totalmente isento de tendência. Mas ainda assim é possível pelo menos apontar os argumentos do lado contrário ao defendido, e isso a Folha busca fazer, pelo menos na maior parte das vezes. Isto posto, tem ainda mais um dado que acho importante compartilhar aqui. Os flagrantes relacionados a delitos cometidos por menores de idade, ainda na cidade de São Paulo, cresceram consideráveis 41% entre os anos de 2010 e 2016. O que este conjunto de números relacionados a uma cidade tão longínqua podem nos dizer? Muitas coisas, algumas das quais aponto a seguir.
A primeira delas, e um tanto óbvia: houve um aumento na eficiência policial no que tange à tentativa de coação de crimes, uma vez que não apenas a quantidade de flagrantes de menores aumentou 41% nos últimos anos, mas também a de adultos sofreu um crescimento da ordem de 61% – também apontado pelo jornal. Legal, muito bem, parabéns ao poder público paulista que pode merecidamente apontar esta argumentação como válida – ainda que como paulista de nascimento e residente até um ano e meio atrás eu possa afirmar categoricamente que tal suposta melhoria na segurança pública dificilmente pode ser verificada na prática cotidiana da metrópole paulistana e de suas cidades vizinhas – se é que pode. Mas estes números podem nos dizer muito mais. Principalmente quando somados à informação de que cerca de dois terços dos quase mil e quatrocentos flagrantes de menores em delito ocorreram na zona leste da capital, especialmente em alguns dos seus bairros mais pobres e carentes de serviços públicos essenciais. E aqui chego ao cerne da questão: coerção de crimes mediante aplicação de boas políticas de segurança pública é, sim, um elemento muito importante para a melhoria da qualidade de vida de uma população. Mas, sozinho, pode fazer muito pouco ou quase nada pela obtenção desta conquista. Se não vier acompanhada de outras políticas, as quais precisam inclusive receber atenção muito maior por parte do poder público, configura uma situação semelhante a enxugar gelo: quanto mais se enxuga, mais o mesmo derrete e precisa, portanto, ser enxugado.
O fato de que a maior parte dos flagrantes policiais envolvendo menores ocorrem nas áreas mais pobres da cidade não pode ser considerado fruto de uma mera coincidência. Muito menos é indicativo de uma suposta maior propensão dos menos favorecidos materialmente para a vida do crime – absurdo inominável que eu, estarrecido, já tive o desprazer de escutar algumas vezes ao longo da vida. Configura, sim, uma chave preciosa para compreendermos a raiz profunda de um problema que já condenou gerações inteiras de brasileiros à pobreza, ao subdesenvolvimento e ao desperdício de suas potencialidades em celas apertadas, escuras e mal-cheirosas espalhadas por todo o país: a histórica falta de preocupação do Estado brasileiro e, óbvio porém nem sempre devidamente lembrado, da sociedade brasileira com o desenvolvimento da educação em nosso país. Os bairros mais pobres e afastados de nossas cidades não concentram a maior quantidade de crimes porque são habitados por pessoas naturalmente criminosas ou refratárias aos valores básicos da civilização. É porque as benesses da civilização não chegam a elas que elas recorrem a meios alternativos de sobrevivência. Os jovens que lá vivem não se tornam criminosos porque nasceram com esta fatalidade escrita a ferro e fogo em seu destino. Eles assim se tornam porque não recebem nem a educação adequada em seu seio familiar, e nem a formação necessária no espaço escolar. Por fim, estes mesmos jovens não se tornam “problemáticos” apenas porque provêm de “famílias desestruturadas”, termos tão repetidos quanto não refletidos na esmagadora maioria das escolas país afora. Eles provêm de “famílias desestruturadas” porque o Estado e a sociedade não oferecem as condições necessárias para que se reestruturem.
Como o estimado leitor pode já ter percebido, a questão é muito mais profunda do que apenas jogar a culpa no próximo, culpar o governo por ser relapso com um elemento tão central para o futuro do país e esperar que o aumento do contingente policial bem como seu melhor aparelhamento, possam gerar maior segurança e o fim de todos os problemas sociais da nação. O problema passa pela necessária determinação do futuro que desejamos para nossos filhos e pelo obrigatório comprometimento de todos no esforço conjunto que levará à construção deste futuro. E envolve, como já pode ter ficado claro neste ponto de nossa conversa, o reconhecimento de que apenas um grande e continuado esforço de toda a sociedade em defesa de medidas que levem à criação e consolidação de políticas educacionais de qualidade configura um caminho seguro a ser trilhado em direção a um país mais justo e, consequentemente, mais seguro.
Claro está que, embora eu esteja me valendo de um exemplo concreto veiculado em um jornal de grande circulação editado em São Paulo, este tema também nos diz respeito diretamente. Basta caminhar pelos bairros mais afastados e menos favorecidos materialmente de nossas cidades para comprovar que a dinâmica, aqui, é praticamente a mesma de lá. Onde não há um comprometimento geral com a defesa da formação de nossa juventude, a mesma sofre. E os problemas sociais aparecem. Formamos uma comunidade pequena, com menos de cem mil pessoas, e ainda assim praticamente todos conhecem histórias que envolvem vidas ainda em seu alvorecer que se perdem ao longo dos caminhos tortuosos do vício e do crime. Grande parte dos roubos e furtos realizados em nossa região tem como autores pessoas com menos de vinte anos de idade. Uma quantidade incrivelmente grande de adolescentes enveredam todos os anos pelo caminho do consumo e do tráfico de drogas ilícitas. Isso sem contar na quantidade ainda maior daqueles que se colocam em situação de risco devido ao uso descontrolado de trocas lícitas – tabaco mas, principalmente, álcool. Aos problemas provocados pelos primeiros, todos clamam por mais polícia. Às dificuldades causadas pelos segundos, melhores médicos e hospitais. Em ambos os casos a solução mais segura passaria pela oferta de melhores escolas e mais bem preparados professores. Em nenhum deles a medida mais desejada por grande parte da sociedade envolve a adoção de tal política.
Não basta apenas falar sobre educação, desejar levemente mais educação, afirmar que admira os bons professores. É preciso lutar para que uma boa educação se faça presente entre nós. É preciso valorizar aqueles que lutam por este objetivo. E é preciso exigir um comprometimento de todos em prol da defesa daqueles que dedicam sua vida a formar e orientar aqueles que formarão o Brasil do futuro. Isto envolve votar em políticos que se comprometam com o futuro, e cobrar dos eleitos a adoção de medidas que fortaleçam nossas escolas. Para aqueles que as abandonam, que sobrevenha a condenação unânime das urnas. Nas escolas de nossas cidades, de nosso bairro, nossa participação deve ser constante e positiva. A valorização de nossos professores deve ser efetiva, e não apenas palavras vazias saídas da boca de quem não se compromete verdadeiramente com o futuro. Apenas assim poderemos desejar, com o mínimo de realismo, que tempos melhores nos aguardem. E que uma sociedade mais justa, igualitária e segura possam formar e ser formadas por nossos filhos e netos. Até a próxima!
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