A vírgula, essa incompreendida
O anúncio no outdoor diz: “Com que roupa, eu vou?” Uma frase para impactar as mulheres, potenciais compradoras. Mas o impacto que causa em mim, professora de Português, é a pergunta: “Por que pensariam que faz sentido colocar uma vírgula ali?”
É comum pecarmos pelo excesso quando temos dúvidas na escrita. Um exemplo muito comum disso é o uso do acento da crase quando ele não é adequado, em frases como: “Chegou à melhor hora de fazer compras”. “A melhor hora”, neste caso, é o sujeito do verbo chegar, que é intransitivo; portanto, o uso da crase não se justifica. Mas na dúvida… Especialmente se for publicar um texto, vale a pena consultar um dicionário, uma gramática, ou um revisor de textos.
Aprendemos na escola que a vírgula marca uma pausa, que pode ser percebida quando falamos; mas parece-nos impossível determinar exatamente onde utilizar a vírgula com base em nossa fala. Então acabamos usando-a arbitrariamente e mudando sentidos. Na frase: “Choveu, porque o chão está molhado”, a vírgula permite entender que a causa do chão estar molhado foi a chuva; se tirarmos a vírgula, no entanto, estaremos dizendo que o chão molhado causou a chuva.
Por isso é melhor identificar sua manifestação através dos elementos sintáticos, do que faz sentido na escrita. As regras para o uso da vírgula estão baseadas na gramática. Veremos exemplos de três situações em que a vírgula não deve ser utilizada, e três outras situações em que o seu uso é adequado; a prática e a reflexão conduzem ao entendimento.
Não se recomenda o uso da vírgula:
1) Separando o sujeito do seu predicado. Isso é fácil de verificar em orações com sujeito simples cuja estrutura segue a ordem predominante sujeito-verbo-objeto: “Eu quero ir à escola amanhã.” Dificilmente alguém colocaria vírgula nesta frase depois da palavra “eu”. Fica um pouco mais difícil no caso de um sujeito composto, precedido pelo verbo ou pelo objeto: “O que compraram todos os funcionários da loja?”
2) Para isolar a conjunção “pois” que inicia a oração. Ao inserirmos a conjunção na frase: “Precisamos estar atentos a tudo o que acontece”, é preciso isolá-la com duas vírgulas, pois trata-se de orações intercaladas: “Precisamos, pois, estar atentos a tudo o que acontece”. Não é o caso quando “pois” inicia a oração: “Gostaria de parabenizá-lo pelo empenho, pois percebi o seu esforço”.
3) Separando orações que restringem o significado. Se quero dizer que apenas os jornais que encontrei no porão são velhos, não usarei vírgulas: “Os jornais que encontrei no porão são velhos”; pois ao acrescentar as vírgulas, direi que todos os jornais são velhos e todos foram encontrados no porão: “Os jornais, que encontrei no porão, são velhos.”
Deve-se usar a vírgula:
1) Para isolar o vocativo. A frase “Ele não te chamou, Mariana.” deixa bem claro que estou falando com a Mariana, pois estou usando a vírgula; “Mariana” é o vocativo, um termo pelo qual chamamos ou interpelamos alguém, que não possui relação sintática com outros termos da oração. Ao retirarmos a vírgula, não fica claro com quem se fala, e dá-se outro sentido à frase: Ele não te chamou de Mariana.
2) Para isolar termos explicativos. Termos como “isto é”, “ou melhor”, “ou seja”, “por exemplo”, “a saber”e “sem dúvida”serão sempre separados por vírgula: “Aquele papel, ou seja, o documento, ficou em cima da mesa.”
3) Para separar o aposto. Em “Seu grande sonho, de viajar para fora do país, estava cada vez mais próximo”, o que está entre as vírgulas explica melhor o termo próximo ao qual está colocado: “seu grande sonho”.
As dicas apresentadas aqui não o tornarão um expert no uso das vírgulas, mas são um incentivo para que, com a prática e outras leituras, você desenvolva cada vez mais segurança nessa área. A boa escrita é um processo complexo e contínuo, que desenvolvemos ao longo da vida, acumulando informações e exercitando o seu uso; não é um dom reservado a alguns que o exercem sem fazer esforço.
Leave a comment