Acerca das últimas semanas
O ‘futuro de uma ilusão’ tratava especialmente do tema da religião, situado com as mesmas características da neurose. A neurose, não deve ser confundida com o sintoma. Quando um sujeito sofre por conta de seu sintoma não há equivalência entre este e a neurose. Não se desfaz uma neurose, porque trata-se de uma estrutura, da mesma maneira que não se desfaz uma estrutura psicótica. Já a ilusão, esta sim, é tema da neurose, psicóticos deliram em seu lugar. A ilusão obviamente apresenta-se como um engodo a partir do qual o fantasma se alinha, personifica um desejo num tema central, fixa-o, a despeito do real. O que difere a ilusão da arte, por exemplo, é que a última não se pretende realística, não há efeito negativo em sua retirada, a desilusão decorrente de uma decepção amorosa o exemplifica na neurose. A arte exalta uma verossimilhança enquanto a desilusão releva uma ausência. Quando nos deparamos com a certeza do aspecto ficcional da realidade, porquanto ele tenha frustrado a expectativa ali depositada, temos parte da identidade perdida, subtraída pela fantasia que insistia dar-lhe existência. Parte do eu é igualmente excluída nessa operação. É preciso então uma nova organização econômica, não se pode mais investir no que não existe, e paradoxalmente não se pode passar sem investimento. Assim ocorre uma depressão acompanhada dessa perda cuja finalidade econômica é esvaziar o objeto. É comum que esta quantidade seja armazenada no eu, o que vemos sob dois prismas: o enaltecimento do objeto perdido (depressão) o enaltecimento do eu (mania). Obviamente o equilíbrio econômico é o tédio. E como a mesmice só fixa-se na certeza da falta será preciso eleger uma. Esta eleição será aquilo que colocará em movimento o desejo, que é o nome dessa falta, e que será eleita na escolha de um objeto. Como a experiência ensinou não investir demasiado pela realidade da perda, há certa acomodação, uma resistência quanto ao grau de certeza na escolha. Este desejo, portanto, tomará a forma de demanda, em que possa ser reconhecida como tal, mas agora estruturada como pedido, e visando ser objeto do desejo do Outro. A ilusão assume um novo alvo, muito embora a satisfação da demanda não se equipare a do desejo. Quando se trata da massa, basta recolocar a possibilidade de reconhecimento da demanda como estratégia, entre sua satisfação por migalhas e o afastamento do desejo; basta que a demanda seja parcialmente respondida para que a ilusão capture o fantasma e o desejo seja reprimido. Reforma-se assim a identidade, moldada agora a ter como demanda sua o desejo do Outro. Exemplos: crime hediondo no lugar de fim do foro privilegiado, prisão de um no lugar de outros, maior rigidez na contratação de servidores no lugar de eleitos. Se elide o desejo na proporção em que fingidamente se o satisfaz. A estratégia é bastante simples: catalisa-se um clamor tornado palavra com toda sua multiplicidade de desejos, que rompem um sintoma mudo de décadas; depois, toma-se as reivindicações legítimas como sendo as mesmas que a do desejo do Outro; depois o Outro propõe como fosse da massa sua proposta; depois ele autoriza satisfazê-la como fosse demandada pela massa; abafa-se o pedido gritante do desejo liberto do sintoma, pelo deslocamento numa satisfação substituta; ilusão restabelecida, caso não houvesse o desejo de recusa. E ele há?
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