Anos Dourados
Na noite de 14 de agosto de 2010, em uma parceria da então Fundação de Cultura de União da Vitória, que tive o privilégio de dirigir por 10 anos, e, o Centro Cultural Teatro Guaira, pela primeira vez na história da cidade, a Orquestra Sinfônica do Paraná aqui se apresentou.
Um Cine Teatro Luz totalmente tomado por um público de quase mil pessoas, ovacionou a Orquestra que naquele ano completava 25 anos de fundação.
Me emociono ao escrever essas mal traçadas linhas, ouvindo a belíssima Oblivion, de autoria do grande gênio, Astor Piazzolla, em interpretação memorável do bandoneonista francês, Richard Galliano.
O Cine Teatro Luz possuía na época capacidade para 752 pessoas sentadas, mas a afluência do público foi tamanha que eu com a anuência do, então prefeito, Juco, decidimos liberar os corredores laterais e o fundo da platéia, que recebeu cerca de mais 200 pessoas.
A Orquestra regida pelo maestro italiano, Alessandro Sangiorgi, dividiu o concerto em duas partes. Na primeira foram executadas As quatro estações, de autoria de Antônio Vivaldi, um dos maiores expoentes da música barroca de todos os tempos.
Entusiasticamente ovacionada pelo público, o melhor ainda estaria por vir.
Na segunda parte, apenas obras do gigante Astor Piazzolla. A cada monumental tango, uma enxurrada de intermináveis aplausos. Assim foi com Libertango. Depois com Años de soledad, que além de aplausos arrancou lágrimas.
Se bem me lembro, a penúltima música foi a monumental Adios nonino, composta por Piazzolla quando ele morava em Paris e em homenagem a seu avô que acabara de morrer. Aplausos e mais aplausos e gritos de bravo, emocionaram até o prefeito, homem fechado e que, raramente, demonstrava suas emoções. Naquele momento ele se virou para mim e disse, “não serei candidato a reeleição, talvez eu volte um dia. Saia comigo e volte comigo e vamos trazer de novo essa fantástica Orquestra”.
Ele cumpriu a promessa de não se candidatar a reeleição, mas em fevereiro de 2012, seu último ano como prefeito, me chamou em seu gabinete e disse: “quero trazer a Orquestra Sinfônica do Paraná, para tocar no aniversário da cidade, organize isso”.
O desfecho dessa história eu conto daqui a pouco.
Voltando ao final daquele inesquecível concerto, Sangiorgi, regeu a Orquestra que executou Oblivion, para mim a mais bela canção de Piazzolla.
Os aplausos não acabavam mais. Os membros da Orquestra e seu maestro agradeceram e se retiraram. As cortinas foram fechadas e os aplausos continuaram até que as cortinas fossem reabertas, o maestro e Orquestra voltaram, sob nova explosão de aplausos.
Completamente tomado pela emoção e com os olhos encharcados de lágrimas, não agüentei e gritei: Oblivion.
O grande Sangiorgi voltou-se para a Orquestra, ergueu sua batuta e os primeiros acordes de Oblivion foram executados, logo entrando o violino do Spalla, Paulo Torres, que enquanto tocou, permaneceu com os olhos fechados. Antes de também fechar os olhos, fui admoestado por Margarete, que ao dar uma olhadinha para trás, percebeu que havia várias pessoas ouvindo com os olhos fechados. Sensacional. Creio que aqui em União da Vitória foi a maior ovação que já presenciei.
Como disse, trouxemos mais uma vez a Orquestra para União da Vitória, em março de 2012, nas comemorações do aniversário da cidade. Não consegui atender o desejo do prefeito, Juco, que queria um concerto ao ar livre. A sonorização da Orquestra custaria algo em torno de 70 mil reais, pois seria necessária uma gigantesca estrutura de palco, com um microfone para cada um dos instrumentos. Assim, mais uma vez o Cine Teatro Luz, completamente, lotado receberia pela última vez a Orquestra Sinfônica do Paraná. Falo última vez, porque até hoje ela não voltou para União da Vitória.
Ainda meio tonto de emoção, levamos a Orquestra para jantar na Pizzaria Mamma Mia. Sangiorgi foi comigo e Margarete em nosso carro, enquanto a Orquestra seguiu de ônibus. Já devidamente acomodados no restaurante fiz uma breve fala. Agradeci aos membros da Orquestra e em especial ao grande maestro, que vinha precedido de fama de arrogante e de poucas palavras. Conclui meu breve agradecimento pedindo licença ao maestro e músicos e disse que naquele momento iria, talvez, cometer uma heresia e seria vaiado. Disse finalmente: Vivaldi é magnífico, mas Piazzolla é ainda maior. Não fui vaiado. Foi aí que Sangiorgi também se levantou, permaneci em pé a seu lado e ele disse que ambos, Vivaldi e Piazzolla, eram gênios e finalizou erguendo um brinde em homenagem a União da Vitória, dizendo que aqui havia sido a melhor cidade em que já se apresentara. Quando voltamos a nos sentar ele corroborou suas palavras, dizendo que a Orquestra acabara de tocar para o mais educado e entusiasmado público que ela já vira.
Contrariando assim, de forma categórica, sua fama de arrogante. Era um homem gentil e atencioso. A Orquestra retornou para o hotel, enquanto ficamos eu, Margarete e ele, tomando mais uma garrafa de vinho.
Nos encontraríamos mais duas vezes em Curitiba, uma vez no próprio Teatro Guaira, onde fui visitá-lo e depois em um café. Não lembro se ainda naquele ano, ou no ano seguinte ele deixou a Orquestra. Não o vi mais, mas guardo belas lembranças daquela memorável e inesquecível noite.
Quando a Orquestra esteve aqui em 2012, ele já não era mais o regente.
Termino ainda ouvindo Oblivion, talvez pela décima vez e de novo com os olhos embaçados pelas lágrimas da lembrança.
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