Antonico e a saudade
Neste domingo acordei melancólico. Havia sonhado com minha mãe. Uma vez escrevi em um antigo poema que a dor mais doída é a dor da saudade. É verdade. Mas ela, a saudade, também nos remete a boas lembranças, a velhas recordações. E assim foi. Gosto muito de um antigo samba dos anos 40, Antonico, do mestre Ismael Silva. Minha mãe também gostava deste samba.
Foi num dia qualquer, de um mês qualquer, dos anos 70, creio que por volta de 74, que eu descobri Antonico, em uma bela e intimista gravação de Gal Costa.
Minha mãe ouvia, praticamente, tudo o que eu ouvia, pois eu tinha o costume de ouvir música, muito alto, hábito que cultivo até hoje. Ela entrou em meu quarto e disse, esse samba é muito antigo e muito bonito. Ao que respondi que ali era a Gal e, certamente, em uma releitura daquele clássico. Ela gostou da versão da Gal, apenas comentou que a original era mais rápida. Anos mais tarde, ainda antes da era dos cds, descobri uma versão de Antonico, com o saxofonista argentino Gato Barbieri. Mostrei a Dona Ofir que a achou muito bonita, embora, segundo ela, muito triste. E é mesmo, o lâmguido solo de Barbieri é muito melancólico, mas, sutilmente, belo.
Dias atrás resolvi procurar outras versões do velho samba e achei coisas fantásticas, como uma gravação cool, de Jards Macalé, com sua voz entre rouca e um pouco anasalada. Piu bela. Também encontrei uma de Martinho da Vila e outra de Martinho e Zélia Duncan, outra de Elza Soares e ainda uma muito antiga de Alcides Gerardi.
Todas diferentes entre si, mas, igualmente, bonitas.
Em minha última crônica, ao falar de minha filha Mayara, falei de afinidades e as tinha muito com minha mãe.
Meu gosto pelo cinema deve-se a ela. Íamos muito ao cinema e com ela assisti ainda criança e depois pré-adolescente, a filmes memoráveis, como: A Invasão Secreta (1964), de Roger Corman; Fugindo do Inferno (1963), de John Sturges; Gloriosa Retirada (1964), de Henry Verneuil e que na época, muito garoto não gostei. Revi anos depois e o achei antológico. Isso sem falar nos westerns spaghetti, como o Dólar Furado (1965) e Django (1966), entre tantos outros. O curioso hoje é lembrar que todos os filmes mencionados eram mais ou menos da mesma época, mas passaram aqui muito mais tarde, creio que com um atraso médio de cerca de três anos.
Assim era também com as séries de TV, nossas preferidas eram: O Detetive Fantasma, Combate, Persuaders, O Imortal e O Fugitivo, todas da década de 60.
Já nos anos 70 assistíamos, religiosamente, a Kojak e Starsky & Hutch, essa também era uma das preferidas de meu tio René. Dona Ofir também gostava de Cannon, seriado predileto de meu tio Lamartine, que chegou a apelidar meu primo Marcos, que era gordinho, de Cannon.
Minha mãe também gostava muito de música, como disse, anteriormente, ouvia tudo o que eu ouvia e foi assim que ela ouviu pela primeira vez algumas canções que foram suas prediletas nos anos 70: Alone Again (1972), Gilbert O’ Sullivan; Oh babe what would you say (1972), Hurricane Smith; Skyline Pigeon (1972), Elton John e Yesterday once more (1973), Carpenters, entre dezenas de outras.
Nestas incursões memorialísticas em que tenho falado de meus caros amigos, digo com a mais absoluta certeza que muitos deles estão entre meus familiares. E Dona Ofir, minha mãe, que nos deixou suave e, silenciosamente, e, assim também viveu, no dia 27 de dezembro de 2008, foi uma de minhas grandes amigas. Pena que ela não esteja mais entre nós para ouvir, principalmente, Antonico, em suas diferentes versões, ela, certamente, iria gostar de todas.
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