Aqui passou a boiada
Houve um tempo em que a boiada passava em frente a minha casa, e tudo era festa, não havia necessidade de reservar lugar, para assistir, pois a porta do armazém dos meus pais, já era meu lugar cativo. Em tempos de chuva, o barro misturado aos tocos das árvores, os quais eram jogados para dar mais firmeza aos cascos dos animais, espalhava-se para todos os lados, paredes e pessoas que se arriscavam a passar perto de onde a boiada passava. Minha mãe estava sempre de olho em mim, na época, eu contava com meus quase três anos, e a passagem da boiada, onde hoje é a avenida João Pessoa, para mim, era o maior show, eu abanava para os boiadeiros, na época, o falecido Romualdo Melo e seus ajudantes. Quando o chicote rodopiava e estalava no ar, eu pulava de alegria, meus pais diziam que eu batia palmas e pedia aos gritos para que eles não surrassem os bois e, é claro eu chorava muito, pois para mim os bichinhos estavam apanhando e, de certa maneira, estavam.
O falecido, seu Romualdo, era traquejado no jeito de tocar a boiada, levava os bois pela manhã para o seu açougue, mas antes passavam pelo posto de desinfecção, eu nada sabia, então meu pai dizia que eles iam tomar banho, e, à tarde, voltariam limpinhos para dormir. Eu passava o dia perguntando ao meu pai que horas os bois iam voltar, para dormir. E, à noitinha os que sobravam voltavam e iam para um potreiro próximo à igrejinha, que foi demolida há anos.
O peão boiadeiro tinha um bom manejo com o berrante, e nem tudo era festa, pois eles sofriam com a mudança do clima, no inverno conviviam com as baixas temperaturas e no verão calor intenso. Em minhas lembranças há também a boiada que vinha de Palmas, e no verão os boiadeiros paravam para dar água aos animais, em uma enorme lagoa, próximo à casa de meus pais. Há tantas lembranças que me fazem querer voltar ao passado e registrar mais fatos que não voltam mais. Às vezes, eu não via a boiada, pois vinham com o escuro do dia, e meus pais não me deixavam ficar na frente do armazém, então quando meu avô estava em casa, e havia reses no potreiro me levava para vê-los. Eu queria ficar bem perto da porteira, e às vezes, havia alguma investida contra nós, e meu avô dizia:
-Escapa! Escapa!
Ah! quanta saudade!
Olho para trás e vejo com olhos de menina a aventura de ver a boiada.
Hoje, elas são lembradas através de filmes, poesias, poemas, contos e tantos registros, mas nada como o que tenho registrado em minha mente.
Recordo-me bem que um lado da estrada era coberto por vasta vegetação, plantas que hoje muitos nem conhecem, alguns como: mamona, Inhapindá ou unha de gato, diversos tipos de cipó, pente-de-macaco, eram para nós, crianças brinquedos, fazíamos barquinhos, com eles e jogávamos as sementes para cima para vê-las voando, havia muitos tipos de cipós, flores e amoreiras. E por ali, passava a boiada.
Vou encerrar esta crônica com alguns versos de Casimiro de Abreu:
“Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores.”
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