Com incêndio e boas festas, mais um ano que termina
Em um país no qual as ações a favor da educação e da preservação da história já não são algo, digamos, abundante, causa extrema tristeza a imagem das chamas consumindo o belíssimo e, até então, impecavelmente restaurado prédio da estação da Luz, na minha querida São Paulo. Não que este tenha sido o primeiro incêndio de grandes proporções a vitimar o centenário prédio que configura uma parte tão importante de minha juventude. Em 1946 outro semelhante destruiu exatamente o mesmo setor, legando à posteridade pouco mais do que escombros incinerados do que havia sido uma das mais belas construções da cidade. Após este acontecimento, foi necessário esperar sessenta anos para ver o espaço novamente integrado ao ambiente cultural paulistano. Perspectiva que amedronta todo aquele que aprecia belos monumentos e imponentes construções históricas. Considerando as dimensões da destruição e a atual situação econômica e política do país, é impossível esperar, mesmo com o mais tresloucado otimismo, que este importante espaço estará novamente de pé em menos de dez anos.
Junto com a belíssima arquitetura, a fachada esmerada e os materiais nobres perdidos com o incêndio (materiais estes, é preciso que se lembre, que não correspondem aos originais de 1902, estes mais uma vez salvos da destruição pela imponente torre da estação, construída como uma réplica quase perfeita do lendário Big Ben londrino), desapareceu também um dos mais interessantes equipamentos educacionais de que dispunha o país: o Museu da Língua Portuguesa. Inaugurado em 2006 após anos de preparação, o museu contava com o que havia de mais moderno em termos de mídias eletrônicas voltadas para o aprendizado através da interatividade. Entre suas paredes, os visitantes viajavam por um mundo caracterizado por sons, luzes e cores que estimulavam o interesse e o questionamento. Em suas telas sensíveis ao toque, informações variadas eram apresentadas de modo original e cativante, inscrevendo na memória de todos conceitos em geral apenas tangenciados pelas sisudas aulas de nosso sistema pedagógico tradicional e tradicionalista.
Com o Museu da Língua Portuguesa desaparece um exemplar raro, entre nós, da necessária convergência entre a mais avançada tecnologia e o mais necessário conhecimento. Com o amplo setor do complexo da estação da Luz atingido pelas chamas desaparece um espécime não menos raro, que nascido de uma bem sucedida parceria entre os poderes público e privado representou, durante sua existência, um guia seguro de ação para todos aqueles preocupados com a preservação da memória e do patrimônio histórico nacional. As queimaduras deixadas pelo incêndio na paisagem paulistana levarão muito tempo para cicatrizar. Resta apenas torcer para que o sejam, e para que as lições deixadas por este triste acontecimento levem à adoção de medidas efetivas formuladas com o objetivo de impedir sua repetição em outros pontos do país.
O encerramento de mais um ano marca a oportunidade ideal para, revisando os acontecimentos dos últimos doze meses, possamos planejar melhor nosso futuro. Para alguns, o que ficará gravado na memória foram conquistas e realizações. Para outros, decepções, perdas e dolorosas lições ensinadas pela vida. Para todos, contudo, abre-se o horizonte de um novo ano que se apresenta, como sempre, prenhe de oportunidades e incontáveis novos caminhos. Se 2015 foi bom, depende apenas de nós a firme manutenção do foco nos objetivos traçados ao longo de nossa existência. Se não foi tão feliz, também depende apenas de nós o reconhecimento de que o ano não muda, nossa vida não muda, o mundo não muda sozinho. É preciso que nós nos transformemos para que o novo se faça presente. Como diz Mafalda, a conhecida personagem de história em quadrinhos crítica das frases prontas e das posições irrefletidas, enquanto todos esperam que o ano novo traga mudanças, ele espera que nós lhe apresentemos nossa própria transformação. Reflitamos nisso conscientes de que, apenas para citar o grande religioso Chico Xavier (e com isso encerro minhas referências por hoje), se a ninguém é dado mudar o próprio início, a todos é facultada a possibilidade de começar hoje a construção de um novo fim. Agradeço a todos os leitores e vizinhos a oportunidade de um ano pleno de realizações, e desejo a todos um Feliz Natal e um próspero 2016. Até a próxima!
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