Comunicação do sentido e gozo do monólogo
Só se pode aprender aquilo que já se sabe.
– sei.
Veja um texto. Dali não se pode tirar tudo. Dê ele a um macaco e ele o comerá.
– o texto ou o macaco?
Ainda assim, só se pode tirar dali o que já se tem.
– tirar, tiara.
Uma fórmula, por exemplo, pode ser compartilhada, basta saber operar com ela. Mas é preciso reconhecer que ela não foi apenas feita por alguém, mas para alguém.
– (batucando ritmicamente na mesa) eu não sou feito de isopor.
Quando leio os físicos tendo a familiarizar o discurso com algo que conheço, embora o sentido que suponho haver não me seja de todo apreensível há algo que pareço reter. Sei, porém, não se tratar exatamente daquilo que meus recursos permitem compreender. Não se trata, sendo assim, apenas de um código que ao ser decifrado decodifique exatamente aquilo que o autor pôde querer dizer. Ao ler sou implicado no texto, compreendo a própria decifração a partir de meus devaneios, minha leitura é a própria construção, assim como o desejo é sua interpretação.
– você tinha que ver, que pena. Mas foi gravado, gravado e engravatado.
De outro turno toda pergunta tem resposta, caso contrário ela não poderia ser formulada. Mas justamente porque, assim como o texto que leio, é na pergunta que ela está contida. O texto é uma desculpa, um subterfúgio que encontro pra ler aquilo que, através dele eu digo.
– daqui a oito minutos, aproximadamente, de acordo com o fuso horário, quinze pras quatro. Quarter to four.
Mas pra que eu possa dizê-lo eu reencontro este dito numa fala que não é a minha. Veja, eu me surpreendo quando me identifico. Então estamos no campo do sentido, muito embora nem sempre fique claro o que me identifica. O problema começa justamente aí, no ponto em que o sentido se perde eu reencontro a interrogação da qual parti. Se suponho haver uma resposta a ela no texto é menos por ele ser proposto a isso que insisto do que pela pergunta que ele me fez trazer à tona.
– a pedagoga ai que pipizinho mais lindo.
Então isso não se presta a toda interpretação. Mas pode ficar completamente não interpretado. Mas não é possível que haja qualquer interpretação também. Há uma correspondência entre aquilo que pode dali ser retirado com o que de fato foi escrito, muito embora eu só possa apreender aquilo que já tenho. Caso contrário o que se faz? Pede-se ajuda a quem possa traduzi-lo.
– ando pensando muito nisso, imposto de renda retido na fonte.
É preciso assim considerar os limites da própria interpretação. Mesmo que o suposto tradutor faça o seu trabalho, restará irredutível algo que me liga ao texto, algo que para além do compartilhamento da linguagem adquira um sentido próprio para mim. A este elemento se deve as diferentes compreensões, porque ele vincula um saber não sabido com o reencontro desse saber contido no texto. Mas isso não quer dizer que esse saber seja o mesmo, ele é trazido à baila pelo artifício da linguagem, o que significa que a comunicação suposta não é um mero deciframento da mensagem, senão todos entenderiam exatamente o que de fato está ali.
– o vendedor de carros é um cientista pra mim.
Então há uma relação mais particular na leitura para além do sentido que merece o nome de gozo, cada um se goza sem sentido.
– tive uma ideia.
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