Crítica à sincronicidade Junguiana
À crítica cabe o desdém previsível. Jung, o analista suíço dissidente de Freud, inventou um conceito puramente formal, a sincronicidade. Ele tencionava dar nome aos fenômenos que chamamos comumente de coincidências. Todo mundo já teve a experiência de falar de alguém e essa pessoa aparecer em seguida, estar com uma palavra na cabeça e na sequência vê-la escrita numa placa, esse tipo de coisas. Contaram-me uma história uma vez sobre um homem que, depois de conversarem acerca desses fenômenos, estava caminhando entre pinheiros e ficou extremamente surpreso ao ver uma pinha aparecer em seu caminho: aquilo tinha que ter algum significado também. Não podemos dizer que a psicanálise seja um sintoma de Freud, antes ela é a própria sublimação de seu sintoma que já indiquei estar vinculado ao pai. Mas me parece legítimo analisar o fenômeno de sincronicidade como uma elaboração cuja estrutura lingüística – está óbvio que se trata de um fenômeno lingüístico, caso contrário não se atribuiria sentido – é idêntica à estrutura neurótica. Sabemos que ao contrário de Freud Jung não se interrogava a respeito do conceito de pai, ele o tinha bem definido. Ora, a operação do significante só pode encontrar um sentido quando há um significante faltoso. Me parece haver, na sincronicidade, nada mais do que a investidura econômica demasiada em determinado significante cujo sentido é ratificado por associações simbólicas. Na verdade a sincronicidade nos fornece uma nítida ilustração da paranóia, embora invertido seu afeto. Lembre-se do susto proveniente da surpresa em encontrar uma aranha no sofá. Depois disso se vê aranhas até na sombra. Mas a expectativa depositada nos fenômenos sincrônicos são de uma alçada diferente: eles tem uma boa recepção, são acompanhados de bons augúrios, geram uma expectativa proporcional ao favorecimento conspiratório do Universo PauloCoelhano, e carregam consigo a certeza subjetiva de uma revelação; centram o sujeito da recepção da mensagem, tudo passa a fazer referência a ele. Quando nos machucamos é comum esbarrarmos justamente aquela parte nas mobílias. Uma mulher traída mal pode ouvir a palavra traição, e nas novelas, nos chás, nas escolas, na Igreja, só falam disso agora. Desse ponto de vista nada difere o fenômeno de sincronicidade da estrutura de uma neurose narcísica, ressalvando que na primeira, não há sofrimento necessariamente, embora haja, sem dúvida, uma ilusão significativa: a realidade passa a ser contemplada a partir dessas revelações. Jung mesmo se baseava em revelações dessa espécie. O que porém não está claro é o mecanismo de inversão do afeto: ao invés de parecer ameaçador ele é reconfortante, contrário também à obsessão. Receio que isso só possa ser possível pra um católico. Essa vontade de Um significado é o proporcional inverso do caos representado pela falta de significação. Quando o sujeito indentifica-se à frase você é fraco, por exemplo, ele passa a tomar-se a partir desse significante, e sempre o reencontra. Mas quando ele assume a fragilidade do símbolo ele o reinventa. No caso do sintoma de Jung vemos uma clara identificação à Unicidade (pra não dizer seu Nome) em que a inversão da angústia em redenção só pode surgir da suposição de haver Um Saber Soberano. Função estabelecida pelo amparo paterno que entre outras coisas, estabelece o possível de ser significado, marca seu limite. Resta concluir que a negação da castração do Outro implica a demanda contínua em que o significante da falta só pode surgir sob a forma de revelação por ser dado como oferenda. Muito embora o significado só possa ser condicionado à bondade da Natureza, perfeição ligada à certeza do Um primordial. Não é a toa que a individuação tende a assemelhar-se a aproximação dum arquétipo. Igualmente não se pode negligenciar a existência do inconsciente coletivo, Jung fez dele o suporte de sua folie a deux e com um sucesso exemplar, ele quase descobriu o Nome-do-pai, mas preferiu permanecer restrito à repetição do símbolo.
Leave a comment