Dias difíceis
Costumo assistir nas noites de domingo, na Globo News, o programa Manhattan Connection, que em sua última edição abordou um documentário norte-americano sobre bullying. Como não vi o programa desde o início, não sei o nome do referido filme, em cartaz nos cinemas dos EUA, mas o que me chamou a atenção foi a pergunta que Lucas Mendes fez a Pedro Andrade, ambos integrantes do programa. Mendes perguntou a Andrade se ele se identificava com algum dos personagens, ao que ele respondeu que sim e que o documentário o remetia à época em que ele era vítima de valentões e que lembrava de ir com os pais à diretoria da escola onde estudava e que as queixas e reclamações quase sempre resultavam em nada, com a clássica afirmação, “é coisa de criança”.
Curiosamente, tive, há alguns dias, semelhante conversa, pelo msn, com minha caríssima amiga Rosemarie de Carli, que hoje reside em Coronel Vivida, onde é psicóloga, atendendo também em Pato Branco. Rosemarie, mais conhecida pelos amigos como Neninha, estudou comigo no Externato Santa Terezinha, onde juntos fizemos o curso primário e voltaríamos a nos encontrar no Colégio Túlio de França no ginasial.
Nossa conversa versou sobre buylling e também sobre nossa, à época, excessiva timidez, o que nos tornava ainda mais passivos de buylling.
O Manhattan e a conversa com Neninha me remeteram, de imediato, à minha infância. Como disse anteriormente, fiz o antigo primário no extinto Externato Santa Terezinha, na segunda metade da década de 60, indo posteriormente, estudar no Colégio Estadual Túlio de França, onde ingressei na primeira série do antigo ginásio, em 1969, quando fui reprovado em inglês, após ter ficado em exame final em quase todas as matérias, na maioria deles por faltas. Não gostava de ir para a aula motivado por várias intimidações e ameças que recebia constantemente.
Quando comecei o ginásio tinha dez anos, era magro, pequeno e usava cabelos compridos. Já no primeiro dia de aula, na fila para entrar no colégio, um menino me chamou de Vanusa, certamente por meus cabelos compridos e ao que respondi sem hesitar, Vanusa é a tua mãe. O menino disse imediatamente, me espere na saída.
Na tal saída sob o estímulo de outros colegas ávidos por sangue, trocamos socos e pontapés e voltei pra casa todo desmangolado, como dizia minha querida mãe.
Em outra ocasião, fui agredido por outro menino com um compasso em punho. Ainda na primeira série, lembro de certo dia, durante o recreio, ao estar no pátio do colégio, que estava coberto de poças d’água, ali acumuladas após uma forte chuva, fui empurrado pelas costas por um menino bem maior que eu e que também era meu colega de turma. Mergulhei de frente na lama e encharcado e imundo, tive que ir embora.
Planejei por várias semanas, a mais cruel das vinganças e acabei nada fazendo, acho até que logo esqueci do dito cujo. Mas o mais engraçado ou estranho em tudo isso, é que eu, por sei lá que motivo, nunca reclamei, nem para a direção do colégio, nem para meus familiares, apenas odiava ter de ir para a aula, pois além do bullying, eu, como disse, era o mais introvertido dos seres, aí faltava e gazeava muitas aulas, o que culminou em minha reprovação. Dias difíceis.
No ano seguinte as coisas foram relativamente mais fáceis, porque como eu havia entrado mais cedo no ginásio, a maioria de meus colegas era mais velha e portanto, maior que eu e ao repetir o ano, éramos quase todos da mesma idade e mais ou menos do mesmo tamanho. Tive alguns anos de sossego. Já adolescente, em 1974, com 15 anos fui estudar à noite, ainda no Túlio e como tínhamos uma rixa pra lá de violenta com uma turma rival que quebrava as traves do nosso campo de futebol na Barão do Cerro Azul e com quem vivíamos brigando, eu ia pra aula com uma corrente embaixo da jaqueta e uma vez levei até uma machadinha, felizmente, nunca usada. As brigas na vizinhança eram tão violentas que em não raras ocasiões os vizinhos chamavam a polícia, temendo o pior ou piores ferimentos.
Mas isso também passou e no final de 1974, já com 16 anos, num arroubo de coragem, consegui deixar a timidez de lado e conversar com uma menina, Sônia Carneiro, que seria minha primeira namorada. Novos problemas, pois outra turma rival e também de minha vizinhança, começou a me perseguir nos finais de tarde, quando eu ia ao Túlio bucar Sônia que estudava no período da tarde. A turma rival me provocava e eu não conseguia, naquele horário reunir minha turma para o revide.
A outra turma descobriu que eu estudava à noite no Túlio e passou a me esperar. Tive que mudar de rua, para não ser apanhado, até que uma noite, já cheio daquele assédio, decidi revidar, desse o que desse. Avisei meu inseparável amigo Paulo Murara, que estudava na mesma turma que eu, que naquela noite não iríamos mudar de rua, pra driblar nossos detratores.
Paulo perguntou o que iríamos fazer em 2 contra 5, apanhar?
Eu disse que iria arrebentar a cabeça do primeiro e depois que fosse o que Deus quisesse, mas eu achava que com o primeiro valentão arrebentado, eles não viriam pra cima de nós.
Naquela noite jantei calmamente. Brincadeira, nada calmo, fui ao galpão de lenha e ajeitei a machadinha sob a jaqueta jeans. Encontrei Paulo que já me esperava no portão e fomos para o Túlio.
Para minha sorte e também da turma rival, creio, minha mãe ao ir buscar lenha no galpão, deu por falta da machadinha e como já tinha, com Dona Vanda, mãe de Paulo e outra vizinha, Dona Isabel, tentado, sem sucesso, nos tirar de uma briga na vizinhança, tendo que solicitar a intervenção da força policial, decidiu novamente chamar as amigas e ir nos encontrar na saída da aula.
E foi o que aconteceu. Ao sairmos do Túlio, lá estavam no portão, minha mãe e suas duas companheiras de jornada. Eu perplexo, mas já sabendo a resposta, perguntei à minha mãe o que ela estava fazendo ali. Acho que ela nem respondeu e perguntou se eu estava com a machadinha. Eu sabia que não adiantava inventar nada e disse que sim. Resultado, voltamos à pé para casa, escoltado por três bravas mulheres e os valentões nem apareceram e como por encanto, sumiram. Devem ter ido importunar outras pessoas.
Segundo os apresentadores do Manhattan Connection, dificilmente, quem sofre buylling, supera facilmente o trauma. Tanto que Pedro Andrade disse no programa que durante anos precisou fazer análise.
Eu, certo ou errado, encontrei em minha adolescência, uma forma de suplantar qualquer espécie de amedrontamento ou ameaça, revidar em igual ou maior proporção.
Dessa forma, ainda tenho algumas cicatrizes, mas apenas na pele.
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