Do real
Pra além das relações de sentido a angústia aponta a inconsistência do Outro, ou na linguagem freudiana, sua castração. A completa ausência de garantias submerge o sujeito da onipotência desse Outro, restando a ele substituí-lo ou abandoná-lo. Muitos autores dedicados à crítica à religião pensam que a racionalidade deveria tomar seu lugar, e todo estudo da moral só reafirma sua fragilidade. O cabresto apontado por Nietzsche, o ateísmo filosófico, o amor poético, são apologias ao nada. Muito embora o elogio do objeto de amor seja uma tentativa de mantê-lo imutável ela o desfaz pela materialidade. É preciso então que dessa verdade surja algo de novo, ou de novo. A repetição impele ao mesmo circuito, a ilusão nem sempre consegue restabelecer as rédeas. Mesmo que consiga será preciso outra coisa, o desejo é sempre desejo de outra coisa. Então se formulam novas teorias, filosofias, sistemas, tratados cujo valor repousa no próprio valor que a partir desse princípio terá as conseqüentes. Tudo passa a funcionar a partir de um significante mestre. Mas quando igualmente recusa-se a esse significante, resta a necessidade de inventá-lo a cada passo. Grandes homens por exemplo, colocaram seus nomes aqui. A ansiedade e a indiferença completa ilustram essa ausência fundamental. E o mecanismo da crença repousa aí justificadamente de modo a tamponá-la amparando a amarração simbólica do sentido, e o sentido pode dar uma direção porque é dependente dessa mesma amarração, tão mutável quanto é a verdade. Contudo é de uma verdade estrutural que se trata, era isso que Hegel queria dizer com a sua, absoluta. A aposta pascalina indicava que quando se a faz, ela já está perdida. Sabe-se disso pela metáfora do amor cuja ilusão a reifica, cuja fantasia a dota de realidade. E não há outra realidade a ser encontrada senão da ilusão que vela um real inconcebível, senão pela impossibilidade total de apreendê-lo. Quando Foucault afirmou que os prédios desmoronariam se subtraíssemos as palavras ele não deixava de crer que poderiam ser reconstruídos. O problema ressurge no mesmo ponto, incapaz de uma solução final. A angústia não está ligada, como o tédio de Schopenhauer, ao cíclico pêndulo da atualização do mesmo, mas à impossibilidade de fim. Funciona de modo similar à linguagem cuja exigência lógica implica um limite intransponível e que, portanto, permite que a cadeia gire. O próprio inferno é expressão desse ‘incapaz de morrer eterno’, temor inerente ao prolongamento do sem cessar. Se há uma conseqüência importante para a pulsão de morte freudiana ela reside na sua função significante, descamação do símbolo por, sim um desejo, incompatível com a função fálica por implicar na máquina de fazer significar do inconsciente. Miragem dotada de qualidades oníricas servindo-se de material insignificante, porém, reproduzindo sua própria origem, seu mecanismo mesmo, sua real estrutura. Fisgando assim o sujeito do desejo no desejo do sujeito, elevando-o a categoria de uma existência para o outro, alienando-lhe simultaneamente de si ao passo que ressurge desse outro, circulando o objeto no jogo da pulsão, que nunca erra o alvo. Eis a presença que a transferência nos revela em qualquer desses campos, eis seu modo de operação, sua faminta sede de uma sede. Eis igualmente a elevação do objeto ao status de coisa pela sagrada sublimação da ausência. Eis o desaparecimento do próprio sujeito quando dejeto do desejo do Outro, no sacrifício moral que faria Deus gozar com isso. Eis a economia que move a isso sob o disfarce de uma energia inqualificável cuja única saída é substituta de um gozo que nunca houve.
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