Dona Natália
Como começar a falar de uma senhora que me viu crescer, era mãe de meu grande amigo Nivaldo Feliman Camargo, falecido em 10 de dezembro de 2013, e, que faleceu na noite de 26 de novembro de 2015, em Curitiba, onde residia.
Falo de Dona Natália Camargo e acho bom começar pelo começo, isto é, quando éramos todos meninos, por volta dos 13 anos e começamos a frequentar sua casa, mais especificamente, seu quintal, levados que éramos, por Nivaldo.
Naqueles emblemáticos anos do início dos 70, quando ainda éramos garotos sem sequer o anúncio da pré adolescência, seu Domingos Camargo aterrou com serragem, os fundos de seu terreno na rua 1º de maio. Sem exagero havia lá mais de 1 metro e meio de serragem, o que nos possibilitou cavar e construirmos umas espécies de casamatas, inspiradas nos seriados Combate e Os combatentes, que assistíamos pela televisão.
Éramos sempre uns 10 garotos, que às vezes chegavam a quase 20.
A ideia era construir umas duas ou três casamatas, com alguns dentro e os que ficavam fora tinham por objetivo desalojar os outros. Para isso era preciso que ambos tivessem alguma espécie de arma, ou melhor, munição. E fomos buscá-la em uma árvore do que era então conhecido como tomate japonês e que também ficava no quintal de Dona Natália, que havia nos autorizado a usar aqueles frutos como nossa munição. Sua única recomendação era para que preservássemos os abacates, que também estavam disponíveis em seu quintal. Nem sempre seguíamos sua recomendação e quando precisávamos de munição mais pesada, recorríamos ao pobre abacateiro.
Mas a febre das casamatas logo passou, principalmente, porque não havia mais munição e decidimos organizar naquele mesmo quintal, uma espécie de Jogos Olímpicos entre nossa turma de amigos. As modalidades como saltos e lançamentos de peso, dardo e disco, improvisadas é claro e tiro ao alvo, eram ali, as corridas e ciclismo eram na rua, os esportes coletivos eram no fundo de outra casa na Barão do Cerro Azul e jogos de mesa, como xadrez, damas, trilha, futebol de botão e canastra, eram na churrasqueira da casa de Paulo, Zinho e Marcos Murara, na esquina da Barão do Cerro Azul, com Cel. João Gualberto,
Ali pelos 14 anos eu e Nivaldo demos uma espichada e ambos tínhamos calças listradas que amávamos e da noite para o dia ficaram curtas, como conto em uma Crônica em homenagem a Nivaldo, em meu livro Meus caros amigos. Se fizéssemos uma barra com um tecido de outra cor, as calças ficariam horríveis, então as levamos para Dona Natalia que sugeriu uma emenda, com tecido de outra cor, acima dos joelhos. Achamos a ideia genial e assim deu para usarmos as calças por mais algum tempo.
Já por volta dos 15 anos, eu, Paulo e Nivaldo, gostavam da mesma garota, Rosa Marici, que há muitos anos foi embora daqui e que na época era cliente de Dona Natália.
Cada vez que Rosa, que também era nossa vizinha, ia à casa de Dona Natália, pela João Gualberto, nós íamos pela Costa Carvalho e sabe-se lá como não espantamos a cliente.
Dona Natália nunca reclamou, apenas ria e creio que nos achava os próprios Três Patetas.
Há uns cinco anos atrás, em um churrasco na casa de Dona Natália, com Nivaldo, Carmem, eu e Margarete, eu disse a ela que lhe devia desculpas e que aquela era uma boa hora para o pedido.
Ela intrigada perguntou por que e eu disse que pelo fato de termos infernizado sua vida por um bom tempo, estragando as árvores de seu quintal e ainda espantando uma de suas clientes.
Ela em sua calma habitual, disse que eu não precisava me desculpar, pois nossas presenças a alegravam e ela preferia que estivéssemos ali, ao invés de brigando nas ruas.
Seu falar foi de uma singeleza, que me emocionou, como igualmente me emocionou e consternou, quando no sepultamento do Nivaldo ela me disse: “eu que deveria estar ali e não ele”.
E agora ela se foi e ao lembrar-me dela com saudade, tenho a certeza que muito da coragem, autenticidade e lucidez que Nivaldo tinha, vieram dela.
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