Então agora eu tenho inconsciente? II
Sartre não tinha inconsciente. Pelo menos assim dizia. Uma vez perguntaram a Nasio (um lacaniano) sobre algo parecido: o sujeito ouviu um amigo dizer o mesmo que Sartre. Nasio respondeu: está correto, seu amigo não tem inconsciente. Mas por quê? Porque ele não faz análise. Esta premissa – pra fazermos mais uma distinção do inconsciente do jornalista da Superinteressante – considera que o próprio conceito de inconsciente engloba o analista. Pois ao contrário do que se pretende ao reduzi-lo a simples automação da tarefa motora, pode-se dizer que o inconsciente não está dentro do sujeito. Se eu fosse forçado a situá-lo em algum lugar – ele não está no cérebro também – diria que o inconsciente está na língua. Não no órgão. Mas uma afirmação dessa deixa de nos lembrar que o inconsciente está, sobretudo, no corpo. Quando Freud começou a desenvolver sua teoria ele o fez a partir de uma referência neurológica, desenvolveu uma teoria do neurônio, das vias de facilitação e resistência, da excitação e inibição (tal como fazem hoje os neurocientistas) mas percebeu logo que o modelo anatômico não daria conta de algo imaterial. Há para além da dinâmica e estrutura do próprio sistema nervoso uma economia, e é isso que a própria fisiologia não pode explicar. Por exemplo: que a atividade cerebral pré-frontal é aumentada pela função do julgamento tudo bem, mas qual a fonte dessa excitação? Diriam então que a função faz o órgão. Contudo, considere que a fixação numa imagem de um trauma ou namorada, por exemplo, requer uma quantidade extenuante de excitação ligada a essa representação, e que independentemente da consciência de tal imagem, contrariando também as leis de recompensa do núcleo accumbens, tal investimento leva ao desprazer. Por que então há repetição desse investimento? Dirão: a impressão foi forte demais. Tudo se explica então por uma inversão paradoxal da própria função. Outro exemplo, clássico inclusive, os violinistas não pensam mais, o inconsciente o faz por eles. Mas, Deus meu, quem é que pensa? E mais, como se organiza isso senão pela linguagem? Aqui verdadeiramente começa o problema, e veja que ele não é neurológico. Dê nome a qualquer coisa, sobra o atributo escorregadio da metonímia, a coisa não muda conforme seu predicado? Mas o que, entretanto, não muda senão a própria coisa? Obviamente o inconsciente torna a vida mais fácil do ponto de vista do labor desgastante, ele faz cálculos por nós, etc. Mas se fosse apenas isso não seria um problema. Não se pode confundir mensagem subliminar – que é claro, existe – com a extensão do conceito. A ele já foi atribuído, em sonhos particularmente, grandes descobertas, mas não se pode esquecer que a neurose é apenas uma resposta a este limite ao saber. Todo mundo sabe que na vida não se pode controlar tudo, particular exemplo da repetição vestida de destino, de desgraça, qual seja. O inconsciente, meu amigo, não é seu amigo. O inconsciente é. Melhor, o inconsciente não é.
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