Evitando o evitável: o pleonasmo vicioso
Primeiramente, um panorama geral: Existe um antídoto contra o pleonasmo vicioso, que consiste em atentar para o exagero dos detalhes minuciosos. As pessoas humanas apresentam sintomas indicativos do costume de tornar a repetir o uso de termos demasiadamente excessivos; mas há sempre uma escolha opcional. Apesar de ser um fato real que às vezes não parece haver outra alternativa, não é preciso subir para cima ou descer para baixo. A goteira do teto pode ser apenas a goteira, pois com certeza absoluta os ouvintes reconhecerão o elo de ligação. Pode parecer uma surpresa inesperada, mas um empréstimo temporário, juntamente com a última versão definitiva de um anexo junto à carta, são usos demasiadamente excessivos de um pleonasmo redundante. É preciso encarar de frente que nossas experiências anteriores incluem propriedades características de uma repetição desnecessária, e que todos já entramos para dentro ou saímos para fora. Ao invés de adiar para depois, simplesmente adie; uma hemorragia de sangue é apenas uma hemorragia; ao invés de duas metades iguais, basta dizer metades; e não é preciso comparecer pessoalmente, apenas comparecer.
Retomando outra vez, podemos traçar uma expectativa futura de não repetir de novo: mar salgado, barulho sonoro ou um mês de mensalidade. Possivelmente poderão ocorrer deslizes, devido a retrospectivas passadas, mas conforme vamos indo e seguimos em frente, traçamos um plano planejado, ficando a nosso critério pessoal tornar a insistir no uso desse vício de linguagem.
Talvez tenha exigido do leitor um pouquinho de tempo, mas creio que há consenso geral de que todas as expressões grifadas no texto representam repetições supérfluas e inúteis, desnecessárias para que se compreenda o conteúdo das frases. É evidente, por exemplo, que o acabamento já é final, que o erário é público e que o Brasil é um país que está no mundo. Isso ocorre por falta de atenção, por hábito, ou por desconhecimento dos significados das palavras. Essa redundância de sentido, quando não se presta a reforçar uma ideia dando-lhe ênfase, é considerada viciosa, e nesse caso deve ser evitada. Quer ver mais alguns exemplos?
Há dez anos atrás– Use “há dez anos” ou “dez anos atrás”. Raul Seixas usou a repetição que lhe era permitida, em “há dez mil anos atrás”, com intenção poética.
Agora já, ambos os dois e novidade inédita: Apenas um dos dois termos em cada caso é suficiente.
A canja é de galinha; se fazemos planos, obviamente são para o futuro; conviver inclui a ideia de junto; se é um, já é único.
Alguém conhece um jogo que não seja lúdico?
O déficit é sempre negativo, e o superávit é sempre positivo.
E o que dizer de monopólio exclusivo e principal protagonista?
Em preparar de antemão, a ideia de anterioridade já se encontra no verbo.
Não há como prosseguir para trás, portanto não é preciso prosseguir adiante.
Existe algum empréstimo que não seja temporário ou um vereador que não seja da cidade?
A sentença é sempre proferida em voz alta.
Onde mais temos Brigadeiro, se não na Aeronáutica? (O de chocolate não vale.)
Agora uma para nós, que nos referimos a cursos e disciplinas: a carga de vinte horas já é horária…
O pleonasmo intencional, por sua vez, usado como recurso de estilo, é perfeitamente aceitável. Manuel Bandeira escreveu que “Chovia uma triste chuva de resignação”, para reforçar a expressividade do verbo chover; da mesma forma, Vinícius de Morais escreveu no Soneto da Fidelidade “E rir meu riso”, evidenciando a emoção; Chico Buarque utilizou o recurso em “me beija com a boca de hortelã”. Nesses casos, as redundâncias não são consideradas vícios, mas uma figura de linguagem, recurso estilístico usado propositalmente para reforçar o discurso.
Eu sei, nem todos se incomodam com os pleonasmos, que usamos tão espontaneamente; creio que somos, por natureza, redundantes, e o fenômeno certamente não fica restrito aos iletrados. Mas quando os vejo com meus próprios olhos, ou ouço com meus ouvidos, eles me inquietam. Não consigo deixar de pensar, quando leio “água mineral”, se porventura existe alguma água animal ou vegetal…
Como conclusão final, continuo ainda mantendo a mesma opinião pessoal: é possível criar novos hábitos linguísticos e, com um sorriso no rosto, tirar de letra o pleonasmo vicioso. E para ajudar, fica a dica de Carlos Drummond de Andrade: “Escrever é cortar palavras”.
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