Existem cadeiras que nunca ficam vazias
Para falar de um de meus mais emblemáticos e importantes amigos, me reporto a uma crônica que escrevi a seu respeito em 2002.
Era, mais ou menos 5 horas, de mais uma tarde cinzenta do início de agosto, quando recebemos na redação de Caiçara a visita do mestre Isael Pastuch. No sábado seguinte ele iria para Curitiba para submeter-se a aplicações de quimioterapia e nos visitava para bater um papo e despedir-se. Como em outras vezes, trouxe-me um livro, o genial tratado de estratégias militares, “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu, hoje, largamente utilizado na administração e livro de cabeceira de Luís Felipe Scolari, durante a Copa do Mundo de 2002. Mestre Pastuch já me brindara com outros livros, entre os quais a monumental obra “A Psicologia das Multidões”, escrita pelo francês Gustave Le Bon no final do século19, e, que, paradoxalmente, influenciaria anos depois, primeiramente, o comunismo de Vladimir Ilitch Ulianov, Lênin e mais tarde o nacional socialismo de Adolf Hitler. A trajetória de mestre Pastuch caminha paralela a trajetória de minha família, ou seja, nossa amizade é milenar.
Naquela tarde conversamos por quase uma hora, e, como a redação de Caiçara fica no 13º andar, do edifício Executive Center, chamou-nos a atenção a cena protagonizada por um operário da construção civil da empresa Borille que estava muito próximo da beirada do prédio então em construção, ao lado do Dal’Bó.
Falamos bastante da então FACE, hoje UNIUV, instituição de ensino a que pertenceu o mestre, que era membro da assessoria técnica, responsável pela elaboração dos projetos de criação de novos cursos e eu na época professor, hoje licenciado. Ao nos despedirmos, ensejei votos de pronto restabelecimento, para que ele pudesse voltar logo para nosso convívio, e para a FACE, que tanto dele necessitava.
Passados alguns dias, seu filho Pastuchinho disse-me que ele estava na UTI do Hospital São Bráz e que o tratamento quimioterápico produzira muitos efeitos colaterais, reduzindo, substancialmente, a capacidade imunológica do velho mestre.
Causou-me uma imensa tristeza saber de seu estado de saúde e, naquela noite, ao dirigir-me à secretaria da FACE e passar por sua sala, vislumbrei num lapso do olhar, sua figura sentada em sua cadeira, era mesmo um lapso, a cadeira estava vazia.
Continuei minha caminhada e naquela noite dei minhas aulas com muita dificuldade. Doía a ausência e o sofrimento do mestre.
Dias depois, o mestre corajoso e impávido, deixou a UTI, indo para o quarto do hospital e revivendo aquela que talvez tenha sido a terceira maior atuação de sua vida: a memorável e dramática vitória do basquetebol de Porto União sobre Lages, na disputa do terceiro lugar dos Jogos Abertos de Santa Catarina, quando mestre Pastuch, como pivô de nossa seleção desequilibrou o jogo e sacramentou nossa vitória. Isso aconteceu na primeira metade dos anos 60, como relembram René e Cadinho. A segunda maior vitória do mestre, foi há 12 anos, quando ele, como sempre, de forma heróica, suportou e superou a doença que o devastava.
A maior vitória de sua vida será agora, quando ele, para júbilo não só nosso que o admiramos, mas de toda a cidade, vencerá pela segunda vez essa malévola adversária, que é, sua doença.
Aí, eu não precisarei mais lembrar com tristeza da velha canção de Lupicínio Rodrigues, pois sua cadeira não estará mais vazia.
Infelizmente, isso não aconteceu e em 20 de setembro de 2002, o mestre se foi. Deixando indeléveis lições sobre ética, honradez, e, acima de tudo sobre a vida.
Tive, como disse, publicamente, quando do lançamento do livro Memórias, de autoria de meu avô, Didio Augusto, em 1994, pela Coleção Vale do Iguaçu, que é editada pela FAFI, o privilégio de conviver boa parte de minha vida com o mestre, com seus ensinamentos. Dele foi meu primeiro voto. O ano era 1976, e, ele candidatara-se a reeleição à Câmara Municipal de União da Vitória, uma vez que fora vereador de 1973 a 1976.
Votei nele que não se elegeu, nem sempre o povo é sábio, como disse o poeta.
Fiz o concurso para professor da UNIUV, incentivado por ele, que dizia com veemência, diante de certa relutância de minha parte, que era preciso que a então faculdade tivesse em seu quadro as boas cabeças de União da Vitória. Fiz o concurso, fui aprovado e o mestre me disse: “faça um mestrado”. Mais uma vez estimulado por ele, fiz o mestrado. Hoje sou Mestre em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná e, tanto minha dissertação para a obtenção do grau de mestre, como a publicação desta, por nossa UNIUV, a ele foram dedicadas.
Dizem que ninguém é insubstituível. Engano, erro, falácia. Existem os insubstituíveis, são raros, mas existem. Isael Pastuch era dessa estirpe.
Isael Pastuch é dessa estirpe, o que nos ensinou, o que nos legou, o que representou, para a FAFI, para a FACE, para União da Vitória e, para o Paraná, não morre, é eterno, como, igualmente, eterna é a saudade que dele sentimos e, é, inspirado nele, que às vezes continuamos a seguir determinado caminho, mesmo diante de algumas adversidades, que insistem em conspirar contra nós.
A lembrança do mestre, de sua coragem, da fina ironia que dedicava a seus detratores, a seus opositores, tratados quando necessário com um humor caustico e, principalmente, sua sutileza e sua sabedoria, nos fazem, nas horas ruins, lembrar do refrão do velho samba: “reconhece a queda e não desanima, levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”.
Como disse na dedicatória de meu livro, mestre Isael, que Deus te ilumine, para que do alto de sua sabedoria, você continue nos iluminando.
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