Foste herói em cada jogo
Como no hino de seu amado Botafogo, nosso Leocádio José Vieira foi um herói em tudo que fez, embora também, heroicamente, não tenha conseguido driblar a morte, ninguém consegue.
Cadinho era amigo de minha família, pelo menos há 75 anos. Cresceu jogando futebol com meus tios.
René e Lamartine. Freqüentava a casa de meus avós desde sempre. Viu nascer Caiçara e tivemos a honra de tê-lo a nosso lado nos últimos 25 anos.
Além do Botafogo, amava seus amigos e sua União da Vitória e com ela seu Iguaçu. Era dotado de uma memória de elefante e muitas vezes nos perdíamos em velhas reminiscências sobre futebol, sobre gente e sobre música que ele também amava.
Eu em não raras vezes ouço música enquanto dito meus textos e ele sempre tecia elogiosos comentários a respeito de meu gosto musical. Eu retribuía tocando velhas canções que tocavam seu enorme coração. Lembro de uma dúzia delas, mas vou mencionar The man I love, que ele não apenas lembrava de ter dançado inúmeras vezes com sua esposa, como tê-la tocado na Rádio União quando lá trabalhou.
Cadinho não foi companheiro de Lulu e René apenas aqui em Caiçara também o foi na Rádio e, principalmente, na vida.
Era um católico fervoroso, embora também fosse espírita, sempre dizendo que fé nunca era demais.
No início da pandemia, com ele já trabalhando de sua casa, liguei para ele e lhe sugeri que fosse para Curitiba, pois aqui estaria muito mais exposto, uma vez que morava sozinho e fazia as refeições fora. Ele me disse que estava tomando os cuidados necessários e que não iria para Curitiba. Insisti e lhe disse que ligaria para seu filho Dimas, meu amigo. Ele nada disse. Liguei para Dimas e delatei nosso Cádio. Dimas ligou para ele e não conseguiu demovê-lo da idéia de aqui ficar. Há mais ou menos um mês os filhos conseguiram convencê-lo e então ele, finalmente, foi para Curitiba. Ao falar com Dimas na manhã da sexta-feira, 24, ele narrou a dificuldade de levar Cádio para Curitiba. Entretanto, ele disse para Dimas e seus irmãos que estava feliz em estar ao lado deles e que deveria ter ido antes.
Cadinho era um otimista contumaz, nunca o vi de mau humor. Vendia alegria e boas histórias, entre elas a de que era emérito dançarino.
Eu com mais ou menos uns 10 anos de idade, fui com tio René a um aniversário dele. Ele morava na rua 1º de Maio e era, portanto, nosso vizinho, uma vez que já morávamos na Barão do Cerro Azul. Lembro que havia muita gente e lá pelas tantas, depois de ter ingerido umas 10 Colinhas, refrigerante típico da época, disse a tio René que precisava fazer xixi. Tio René me levou ao banheiro que estava ocupado e eis que surge Cadinho me dizendo que havia outro banheiro. Lá fomos, eu, ele e tio René. O banheiro era a cerca de sua casa que dava para um terreno baldio. Ao lado dele e de tio René, não me senti mais um menino, mas um verdadeiro homem. Tinha pena de sua esposa que na manhã seguinte deve ter jogado creolina ou água sanitária naquela cerca.
Lembro ainda que tia Lulu quando trabalhava na Rádio Colméia, trouxe para cá o cantor e humorista Juca Chaves. Eu, possivelmente, lembro desse episódio porque ainda tenho uma foto em que aparecemos eu, tio René e os baixinhos Juca e Cadinho. Boas lembranças!
A última valsa de Cadinho, certamente, não foi aqui e jamais será a última, pois ele continuará, em outro plano, dançando a valsa Branca, de autoria de Zequinha de Abreu, com sua esposa e sob os aplausos de René, Lulu e Lamartine, péssimos dançarinos.
Cadinho muito mais que saudades, nos deixa um exemplo de como viver a vida em sua plenitude, sem rancores e mágoas, afinal, como disse o compositor e cineasta, Sérgio Ricardo, que também nos deixou ontem: mágoas são águas, vão para o mar.
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