Gramática machista!? Nem tanto ao céu…
Esta coluna chama-se Língua Viva porque sempre estou a chamar à atenção o fato de que nenhuma língua que esteja sendo utilizada é estática, mas acompanha as mudanças sociais e também as reflete. Com relação ao gênero dos substantivos não é diferente. Houve uma época em que não havia policiais ou bombeiros mulheres, por diversos fatores. Com a mudança dessa realidade veio também a mudança, gradativa, no uso dos termos, do inglês, preferindo-se a “policeman” e “fireman” os termos “policeofficer” e “firefighter”. No português, pelo mesmo motivo, passa-se, aos poucos, a utilizar o termo “juíza”, com a chegada das mulheres à magistratura, posição que havia sido ocupada apenas por homens durante séculos. Ao mesmo tempo, respeita-se o tempo de transição que a dinamicidade da língua exige, e o termo também permanece como comum de dois gêneros, usando-se sem problemas, quando assim convier ao falante, “o juiz” e “a juiz”.
A partícula “-man” ao final dos substantivos em inglês reflete o fato de que, quando de sua criação, as pessoas a quem se referiam eram homens. Como a sociedade mudou, mudam-se os termos. Daí a peneirar quaisquer sequências das três letras MAN no vocabulário da língua inglesa e considerá-las machistas, como fez o primeiro-ministro Justin Trudeau num programa de televisão ao corrigir uma participante para que ao invés de “mankind” usasse “peoplekind”, beira o ridículo. “Mankind” deriva de “humankind”, que significa humanidade; é um termo que inclui a todos que pertencem à raça humana, homens e mulheres. O próprio primeiro-ministro já foi a público pedir desculpas pela “brincadeira ruim”, após ter sido advertido de que, ao fazer a correção (feminista) à forma de falar de uma mulher, ele estava “mansplaining” (na adaptação ao português, “homiexplicando”); ele havia, como homem, se dado o direito indevido de corrigir uma mulher…
Talvez essa temática já deixe o leitor com preguiça, mas vamos lá! Toda aquela discussão sobre o uso de “presidente” ou “presidenta”… “Presidente”, assim como “chefe” ou “estudante”, é um substantivo de dois gêneros, ou seja, o feminino e o masculino se fazem com a mudança do artigo, “o” ou “a”.
Devemos a Mattoso Câmara a descrição definitiva do sistema de gênero e número de nossos substantivos. Quanto ao gênero: O masculino assinala-se pela ausência de marca, não apresenta o A; o feminino, por sua vez, é marcado pelo A. Portanto, na gramática, o gênero que exclui é o feminino. Se dissermos que os professores serão pagos em dia, isso inclui todos os professores, sejam homens ou mulheres; já se dissermos que as professoras serão pagas em dia, os homens estarão excluídos. O masculino, não marcado, é usado quando queremos ser genéricos, quando queremos incluir a todos. Quando digo que o brasileiro vive menos que o japonês, em “brasileiro” e “japonês” estão incluídas todas as pessoas, eles e elas. É dessa forma inclusiva que os dicionários registram os substantivos de dois gêneros.
Usar a flexão feminina do substantivo na hora de imprimir um crachá, por exemplo, se a detentora dele é mulher, é o mínimo que se pode esperar, por uma questão de atitude e coerência. Meu nome está no crachá, e eu sou mulher, portanto não há nada de mais em esperar que se escreva diante dele “Professora”. Utilizar essa flexão, porém, obrigatoriamente, juntamente com a forma não marcada (que já inclui todos) em qualquer menção a cargos públicos (“Concurso para Procurador/Procuradora”, “Todos os diretores e diretoras”), é uma atitude muito mais emocional que linguística. Coisa de quem quer, por força de lei, usar a linguagem na tentativa de relativizar a realidade em defesa de ideologias e atitudes políticas.
E para além da utilização de dois termos, um no feminino (exclusivo) acompanhando outro, que diz o mesmo, no masculino (inclusivo), há quem defenda a anulação do uso de quaisquer termos que remetem à ideia de masculino ou feminino, numa tentativa de alterar a realidade e erradicar o gênero. Para os defensores dessa abstração, não usaríamos mais “pai” nem “mãe”, mas “progenitor 1” e “progenitor 2” (Ninguém vai reclamar por não estarem usando “progenitora”?). Ora, pai e mãe não são apenas um doador de esperma e uma barriga de aluguel. O que ganharemos com uma gramática que anula o feminino e o masculino? Talvez acreditem que a partir daí não existirão mais homens ou mulheres…
Não vejo machismo no uso do gênero masculino na língua portuguesa, assim como não o vejo na existência de homens. Vejo, isso sim, a tentativa de imposição de uma ditadura linguística, com policiamento à La Stasi. Quem a defende parecem-me ser os mesmos que defenderam o policiamento dos estrangeirismos, acusando-os de agredirem e pôr em risco a soberania nacional. Qual foi a resposta dos linguistas a esse acontecimento? Viram o projeto de lei do então Deputado Aldo Rebelo (PCdoB) como um equívoco, ignorante sobre as questões de linguagem. O próprio Marcos Bagno perguntou: “Por que cargas dʼágua a um grupo de 40 pessoas […] caberia tomar decisões sobre os destinos da língua falada e escrita num país com 170 milhões de habitantes?” (BAGNO, 2001, p. 52)
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