Histórias incontáveis.
Na década de 1950, quando morávamos na rua Prudente de Morais, lá onde hoje está instalado o Posto de Lavagem Paredão. Era então uma casa relativamente grande com a frente de material que até hoje permanece levantada e empresta o nome ao Posto de Lavagem. Vivíamos a solta, minhas irmãs frequentando o Colégio Santos Anjos, eu o Ginásio São José.
À frente da casa havia um estabelecimento de lavanderia de roupas que se não me falha a memória, chamado Ipiranga (lá se vão perto de 60 anos).
Nesse estabelecimento trabalhava desempenhando diversas funções o caro amigo Nho Zé, naquela época respondia pela alcunha de “Gralha”. Exímio ciclista que ainda pedala a “magrela” com muita destreza, incansável, conhecido em todos os recantos do município, em todas as “quebradas” da cidade. Jamais foi gordo, com saúde invejável, mesmo quando passados alguns anos sentou-se junto com os pares edis da municipalidade uniãovitoriense. É certo que os mais de oitenta anos de idade certamente bem vividos e as obras realizadas em prol da comunidade e de todos conhecidas, o credenciam a respeitoso reconhecimento das qualidades de cidadão e eventualmente, certamente, haverão de conferir-lhe título honorífico.
Mas há fatos que marcam a vida do cidadão. No caso do amigo referenciado foi a alcunha de “Gralha”, não se sabe por que, talvez pelo gosto de falar e muito, mas que não o desmerece.
Na época referendada, as cidades gêmeas eram pequenas, a soma total de almas talvez não superasse a casa das trinta mil, contadas inclusive com as do interior, lembrando que Porto Vitória, Irineópolis, Matos Costa, Paula Freitas, Cruz Machado e Bituruna também faziam parte dos municípios gêmeos. Se eram poucos os viventes, muita era a vida social, dioturna. Poucos eram os meios de comunicação: sem televisão, sem rádio portátil, a forma era através dos poucos telefones existentes (perto de cem aparelhos), pelos correios, telegramas e de pessoa para pessoa a transmissão das novidades.
Entretanto, eram muitos os clubes sociais, hoje quase extintos. Havia os clubes da classe social mais alta e os outros. Uns que os “granfinos” frequentavam somente em eventos e os outros que todos se divertiam a todo tempo. Desses outros, os mais próximos do centro, Poeira, Cotovelo, Farinha Seca, Diogo, Boneca do Iguaçu. Outros mais distantes e respeitada a frequência.
Há pouco tempo, soube por terceiros, que o caro amigo “Nho Zé” no popular programa de rádio que mantinha, contou história que teria sido protagonista, incluindo-me. Contou que nos idos da década de 1950, havia lhe vendido um revólver Smith, 32, niquelado, sem condições de uso porque lhe faltava o gatilho e o cão. A memória do ilustrado amigo certamente o enganou, porquanto fui apenas quem viabilizou o negócio, quem sabe o intermediário. Contou que, guarnecido e encorajado com a arma portada, atreveu-se num sábado qualquer arriscar, ir num daqueles bailinhos que eram realizados num galpão qualquer, que jamais fora convidado e a poucos conhecia.
Contava que, próximo à meia noite, ao som do “chote” tocado pela gaita “oito soco”, única música conhecida, sob a luz da lanterna de querosene pendurada no centro do “salão”, atreveu-se a convidar a moreninha sentada no banco próximo ao gaiteiro. O som do solado dos sapatos dos pares que dançavam chepe, chepe, chepe, marcava o ritmo da dança… Convidada gentilmente a moreninha, o gaiteiro interrompeu a música, o chepe, chepe parou repentinamente, houve momento de silêncio total… Acoado, valente, armado, “Nho Zé” aos gritos de quem seria o primeiro, me pule se for macho e outras valentias, sacou do revólver Schmidt niquelado que brilhava no escuro, ergueu-o acima da cabeça, riscou o chão com a ponta da bota. . . A coisa ficou sem controle. Gritos de mulheres, choro de crianças, exclamações de adultos, barulho intenso, correria, agora ninguém mais sabia o que era o quê, apenas zoeira, grito, choro. O gaiteiro escoltando a moça motivo do início da peleia, desapareceu, restou a gaita esquecida no chão.
Não mais se soube o quê, por que, quem, apenas acabou o baile, dizem que tem gente correndo até hoje. “Nho Zé” colocou o Smith niquelado na cintura, embarcou na “magrela” inseparável e foi-se…, ficou a lenda. Reconheço a mea culpa, não tivesse intermediado a venda do Schmidt, 32, niquelado, a valentia não teria assombrado o “Nho Zé” e os fatos não ocorreriam, deslustrando a história.
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