I – Nós
Não posso publicar uma página em branco porque seria óbvio demais. Mas imagine que ao dizê-lo
aquilo, é a isso que retiro de cena o que sobra, e então você poderá notar que ao fazê-lo, recaio no
avesso da folha, e é isso que importa. Adão deu nome aos bois, segundo as escrituras sagradas, mas
os bois não se tratam assim. Ao menos nós (me refiro a nós de língua) não se fazem por vaidade de
retórica, penso neles como se neles nos movêssemos, sem no entanto notar, que nele somos. O
avesso trás consigo o problema da biarticulação: você me diz isso pra que eu pense que é aquilo.
Mas sendo isso e aquilo, esse e sustenta a própria impossibilidade, e é ela que faz a torção. Porque
não há linha reta em nenhum ponto do espaço (o ponto tem dimensão zero), então por que haveria
uma palavra sequer que não fosse ela também o que não é? Mas sendo o não sendo dela, ela não
será seu oposto (necessariamente), pois caso fosse binária simplesmente, ela seria sempre idêntica,
o que levaria a um significado fixo, coisa impensável. Então o mínimo de uma estrutura está
contido no um e sua ausência, que dá dois. Mas na língua nós não simbolizamos apenas a
presença/ausência e a re-presentação, nós o fazemos na língua precisamente fazendo existir onde
não há, e negativizando o haver. Portanto um nó, que funciona na língua de modo a fazer girar não
no sentido do sentido, mas de passar de uma borda a outra sem dar-se conta, e ao fazê-lo, percorrer
na língua o que o imaginário cunhou como limite (dentro/fora…), mas que só tem limites na
verdade, não no real. É verdadeiro que meu corpo limita-se por outro corpo, mas como estão no
espaço, e nós não fazemos a menor ideia do que é o espaço, nós espacializam o tempo e nós o
medimos; só que nosso corpo é também uma borda: se o deformarmos topologicamente não há
descontinuidade alguma. Porque sua imagem é a imagem do outro, eu (ego) só posso me supor
unidade se consistindo nessa imagem de um corpo que tem um dentro, e portanto um fora. Então o
discurso supõe uma realidade psíquica dentro de algum corpo supostamente habitado por alguma
realidade subjetiva e insere dentro dele leis de funcionamento mental. Ou então, o discurso
(universitário) observa o comportamento de um bichinho ou outro ser para em seguida formalizar
leis que estejam no campo do verdadeiro, porque respondem ao inaugural campo discursivo
composto pela unidade daquele corpo, que foi isolado como tal no interior do campo que o
inaugurou (sob a tutela de leis do pensamento). Por isso que uma página em branco diria
infinitamente melhor o que entendo como um nó, porque não o vemos da dimensão onde estamos. E
por quê? Porque não há imagem da falta, então nós a retorcemos na língua, tal como se concebe o
espaço cortando um toro em infinitos pequeninos toros menores, até se constatar que não se cortou
espaço algum, senão o toro, imagem do espaço.
Psicólogo clínico, especialista em Teoria Psicanalítica e em Neuropsicologia. Atende em Caçador e União da Vitória.
giuliano.metelski@gmail.com /WhatsApp: (49) 99825-4100 / (42) 99967-1557.
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