IMIGRAÇÃO ITALIANA: língua e memória
Dando continuidade à sequência iniciada há três semanas, apresento hoje um pouco da presença do legado da imigração italiana em nossa comunidade de Porto União. No ano em que o município completa seu primeiro centenário, lembramos que nesta comunidade o elemento estrangeiro é parte da constituição de seus habitantes, integrando-se as diversas etnias entre si. Cada uma delas, no entanto, enquanto se considera(va) um grupo distinto, também procura(va) manter e defender elementos de sua identidade nacional ou regional. No caso da comunidade de origem italiana, esse movimento chama-se Italianità.
No século XIX, a Europa toda sofreu um grande movimento emigratório, e em 1836 os italianos deram início à segunda colônia de imigrantes estrangeiros que se instalou em Santa Catarina (a primeira colônia foi de origem alemã). Pareceu apropriado ao governo imperial do Brasil misturar o elemento latino ao germânico; por isso, os projetos colonizadores, na maior parte, foram efetivados em colônias mistas. Em Criciúma (1880), por exemplo, os lotes foram distribuídos de tal modo entre os imigrantes, que cada italiano se encontrasse entre um polonês e um brasileiro. A chamada “grande colonização italiana”, oficialmente organizada a partir de contrato entre os dois países, iniciou-se no Brasil em 1875, tendo o agricultor de origem italiana difundido as culturas com as quais já estava familiarizado, como a produção de uva e vinho, e plantava também arroz, milho e tabaco. O Brasil possui a maior população de descendentes de italianos fora da Itália. Estima-se que metade da população catarinense seja formada de descendentes de italianos, visto que em publicação da Revista Virtual de Estudos da Linguagem, em 2012, apresentou-se o Estado de Santa Catarina ocupando o segundo lugar entre os estados brasileiros em percentual de descendentes de italianos (60%), precedido apenas pelo Estado do Espírito Santo (65%).
As primeiras notícias de italianos na Região do Contestado estão vinculadas à história do Paraná. Sabe-se que três imigrantes chegaram em 1882 para a montagem do vapor Cruzeiro, e que em 1897 o engenheiro João Teixeira Soares trouxe para União da Vitória nove famílias italianas (THOMÉ, 2007, p. 79). Entre os que chegaram estava o engenheiro Dr. Artur Baroncini, que iniciou nas terras da Fazenda Zulmira grandes plantações de trigo. Estas não foram bem-sucedidas, e o engenheiro passou a trabalhar a serviço da Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande. Entre as famílias de agricultores de origem italiana nomeiam-se: Benghi, Testi, Muncineli e Strozzi. Posteriormente, seguindo o plano de colonização das terras na região, vieram também descendentes de imigrantes das colônias do Rio Grande do Sul.
Conservando a língua de origem, os imigrantes conservariam as tradições e os costumes. Assim como ocorreu com os ucranianos, a manutenção do uso da língua italiana servia para manter a fé católica. Mas a língua falada pelos imigrantes não era a língua oficial da Itália, que poucos conheciam, pois o processo de unificação que formou o país ainda não se consolidara; eram dialetos das províncias de origem, que aqui sofreram fusões e mudanças, que culminaram na criação de uma língua geral, denominada talian, que ainda hoje é a segunda língua mais falada no Brasil, após o português. Dados do censo de 1940 mostram que, entre os imigrantes no Brasil, italianos e espanhóis foram os que mais rapidamente adotaram o português como língua, enquanto que japoneses e alemães foram os que mais resistiram.
Tanto a língua portuguesa quanto a língua italiana têm predominância de elementos latinos; por isso há uma grande proporção, no vocabulário da língua portuguesa, de palavras de origem italiana. Algumas são escritas igualmente nas duas línguas (cantina, partitura, salame, polenta), e outras têm pequenas alterações na grafia (nhoque, mortadela, risoto). Um termo de origem pitoresca é carcamano: parece vir do verbo calcare, pressionar. Diz-se que os comerciantes italianos diziam aos filhos, quando estes pesavam um artigo para o freguês, “Calca la mano, figlio mio!” Mas a palavra mais comum advinda do vocabulário italiano é tchau (chiao). Também passaram a ser usadas por brasileiros em geral as expressões porca miséria e mamma mia.
Com o intuito da preservação de atividades culturais e costumes dos imigrantes italianos, fundou-se em 01 de maio de 1910, em Porto União, a Sociedade Italiana de Beneficência e Escola Dante Alighieri, notadamente antifascista. Atualmente, trabalhando na preservação da cultura italiana, temos o Grupo Folclórico Reviver, com sede no Bairro Santa Rosa.
Referências:
THOMÉ, Nilson. A nacionalização no contestado, centro-oeste de Santa Catarina, na primeira metade do século XX. Linhas, v. 8, n. 1. Florianópolis, jan./jun. 2007, p. 74-98.
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