Imigrantes de língua alemã em Porto União da Vitória
Na semana passada escrevi brevemente sobre a presença das línguas de imigração no município de Porto União. Em homenagem ao seu primeiro centenário, darei continuidade, a partir desta semana, à temática das línguas trazidas pelos imigrantes, apresentando uma a cada semana. E começarei tratando da língua dos meus próprios antepassados, naturais da região da Boêmia, compreendida anteriormente como parte da Áustria e da Alemanha, hoje território da República Tcheca. Não somente os naturais da Alemanha vieram a Porto União tendo como língua materna o alemão, mas também austríacos e suíços; refiro-me a todos neste texto, em virtude da língua que fala(va)m, como alemães.Santa Catarina foi o estado brasileiro que recebeu o segundo maior contingente deles (cf. HORBATIUK; HORBATIUK, 2016, p. 10). Instalando-se inicialmente como agricultores, esses imigrantes formaram comunidades em que a língua alemã era mantida, juntamente com os costumes religiosos e o desenvolvimento de suas atividades de trabalho e de lazer. Foram precursores da comunidade evangélica luterana, fundaram a Escola Alemã, formaram associações culturais e recreativas, como o Clube União e o Clube 25 de Julho. Ainda hoje associamos muitos nomes de famílias de língua alemã a determinadas atividades comercias e industriais: Schwegler e Wolf na indústria madeireira, Siebeneicher e Ihlenfeld na fotografia, Scholze no comércio de pneus, Bindemann na papelaria, Woehl nos materiais de construção, Rulf na produção do Steinhaeger, Breyer na apicultura; Jung na farmácia; Bach no curtume. Ocuparam posições de relevância no município: Alfredo Metzler, filho do Colonizador Maximiliano Metzler, foi prefeito de Porto União entre 1951 e 1956 e fundou o Aeroclube de Porto União; Germano Wagenführ foi inspetor escolar e delegado de ensino; Frei Wilhelm Heinrichs, ou Frei João, foi professor e dirigiu o Colégio São José, dedicando-se à formação dos jovens. Assim como minha avó, vários alemães mantinham-se preferencialmente num círculo frequentado apenas ou majoritariamente por outros alemães, principalmente por que falavam a mesma língua. Liam os jornais Deutsche Zeitunge Brasil Post. Sair desses círculos e aprender o português gerava uma crise de identidade: ser brasileiro ou ser alemão. Humboldt (1767- 1835) afirmava que “Die wahreHeimatisteigentlich die Sprache”, ou “A verdadeira pátria é na realidade a língua”; este é o instrumento mais nobre da preservação da identidade. Mas a adequação à vida em outro lugar acaba por exigir mudanças também nessa área. Os mais animados a aprender a língua portuguesa também enfrentavam bastante dificuldade. Os ex-alunos do Frei João se lembrarão que ele lutava com os artigos, e falava com frequência “o” mesa e “o” cadeira, visto que essas palavras pertencem, em alemão, ao gênero masculino. Em tempos de guerra mundial, a língua alemã representou uma ameaça. Entre 1914 e 1918 as atividades da comunidade luterana foram paralisadas, pois proibiu-se falar alemão. Durante a segunda guerra mundial, alemães e seus descendentes foram presos e colocados sob suspeita, proibidos de falar a língua em público, acusados de nazismo e quinta-coluna. A Doutora Cláudia Nandi Formentin (2016, p. 18-19), professora na Faculdade SATC, apresenta o caso do Sr. Ludwig Appel, que teve os livros escolares que usava na educação de seus filhos apreendidos e foi preso por recusar-se a mandar seus filhos à escola brasileira. Lembro-me também da história contada por Dorothéa Scheibe acerca da prisão do seu pai, cuja esposa postou-se com os cinco filhos na delegacia e disse que só sairia quando o pai das crianças fosse solto para prover o alimento para eles. Como outras línguas de imigração, as estratégias de nacionalização compulsória e progressiva impostas pelo governo brasileiro no início do século XX levaram os imigrantes e seus descendentes ao desafio do bilinguismo e posteriormente ao recuo do uso da língua alemã. Sem entrar no mérito das justificativas para tais ações, o prejuízo escolar com o fechamento das escolas alemãs mostrou-se substancial: numa época em que o índice de analfabetismo da população brasileira era de 83%, entre os alemães era praticamente inexistente. Após o período de guerras, a comunidade alemã tem procurado reavivar, entre os seus descendentes e a comunidade, o interesse pela língua e pelas tradições alemãs. O alemão foi ensinado nas escolas; Heinz Bindemann, antigo proprietário da Livraria Iguaçu, lecionava no Colégio Estadual Cid Gonzaga. Nessa empreitada, parabenizo a Professora Karin Helena Kirschner Correia, concursada na área da língua alemã, que se esforça anualmente em manter disponível para a comunidade o acesso a sua aprendizagem. Do processo de assimilação linguística surgiu um falar “misturado”, que conjuga os verbos brasileiros como se fossem alemães, como em “Wirtunnochgut Alemão falar”, ou “Nós ainda falamos bem alemão”. Talvez algum leitor ainda se lembre que alemães e brasileiros se reuniam na Churrascaria Gaúcha ou no Clube Aliança para comer Eintopf, ou que na colônia se fazia o Frühstück. Todos devem reconhecer a cuca (de Kuchen), a Bratwurst, o Steinhaegere o Schnapps.
Eintopf, cuca, Frühstück, Bratwurst, Steinhaeger, Schnapps Atualmente, o Instituto Cultural Grünenwaldpreza …
REFERÊNCIAS:FORMENTIN, C. N. A imprensa tubaronense nas décadas de 1930 e 1940 e a construção da narrativa mítica sobre Getúlio Vargas. Revista Vincci, v. 1, n.1, jan,/jul. 2016, p. 7-22.HORBATIUK, F. P.; HORBATIUK, P. A colonização alemã em Santa Catarina. Revista da Academia de Letras do Vale do Iguaçu, n. 9, 2016, p. 9-20.
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