Lembranças pictóricas
Depois de algumas semanas sem escrever essa coluna, devido a inúmeras atividades da Fundação de Cultura de União da Vitória, volto hoje ao convívio de meus caros leitores.
Segundo consta, alguns seres humanos têm uma maior ou menor sensibilidade olfativa, daí uma intrínseca relação também com a chamada memória olfativa. Eu me incluo entre os de grande memória olfativa e talvez um dos mais emblemáticos exemplos disso seja o cheiro do Leite de Colônia, que me remete, diretamente, à minha avó materna, Maria Joana Linhares Augusto. Até aí nada de mais. Mas minha avó morreu quando eu tinha nove anos de idade, portanto, há mais de 40 anos. E eu fiquei muitos anos sem sentir aquele cheiro, muito característico, de minha infância e, no entanto nunca me esqueci dele e ao sentí-lo, imediatamente, vem à memória minha avó.
Mas não é da memória olfativa que quero falar hoje e sim da memória pictórica, se é que é assim que podemos chamar nossa relação de memória com as cores, com as situações que vivemos, e, que sua principal marca, seja o colorido ou mesmo sua ausência.
Lembro por exemplo, até hoje, que a embalagem do Leite de Colônia era verde.
Mas há lembranças que parecem quadros de Vermeer, ou ainda paisagens do pintor realista Gustave Courbet.
Uma dessas imagens que ficou em minha memória é de 1975, quando, espantosamente, caiu uma forte nevasca em Curitiba e que foi capaz de propiciar a confecção de bonecos de neve do tamanho de um homem. Mas a imagem que ficou disso foi a do Oil Man, o pitoresco personagem curitibano, apenas de sunga e todo untado com óleo, sendo perseguido por um grupo de jovens atirando bolas de neve.
O fantástico contraste que a cena propiciava ficava por conta da pele amarronzada do Oil Man, com o décor todo branco.
No ano seguinte, 1976, iniciei a segunda série do ensino médio, no Colégio Túlio de França e por insistência de meu amigo Joathan Cesar de Souza, o Quingo, que além de meu amigo era meu vizinho, acabei mudando para o Colégio São José. Mas o fator decisivo de tal mudança foi, em uma manhã da primeira semana de aula em que não fui para o Túlio e fui com Gilberto Lima, buscar o Quingo no São José, presenciei uma imagem, para mim, esteticamente, indelével: um grupo de jovens ainda sem uniformes e com roupas muito coloridas, sentados bem no centro do verde gramado do campo de futebol. A imagem reservava talvez um dos últimos suspiros da psicodelia iniciada na década anterior, aliada a uma irreverência também dos integrantes do Flower of Power.
Uma das integrantes daquele colorido grupo, pelas casualidades que o destino nos reserva, iria estudar na mesma sala que eu e seria uma de minhas melhores amigas na primeira metade de 1976, até ir embora daqui. Era Wilza Guindani, uma carioca que morava em cima da Rádio Colméia e que como eu gostava muito de música e como morava, relativamente, perto do Colégio, escapava para tomar café em casa, levando-me junto.
Outra imagem mantida na memória é um pouco mais próxima, do ano 2000. Em julho deste ano, eu e Margarete acompanhamos nossas filhas Nina Rosa e Iriana para fazer vestibular em Ponta Grossa, na UEPG. Ficamos hospedados na casa da caríssima amiga Silvana Prado, que morava com a família em um pequeno sítio no bairro de Uvaranas.
Levantei muito cedo para levar as meninas para as escolas onde prestariam o vestibular, e, nossa amiga Vana também, de forma gentil, levantou para fazer um café.
Quando saímos, percebemos que o campo verde que circundava a casa, estava vestido de branco, coberto de geada. Para que pudessemos limpar o parabrisa do carro, foi preciso jogar água quente. Levei as meninas para seus respectivos colégios e na volta, absorto pela bucólica paisagem e embalado por uma canção de Lou Reed, passei da entrada da casa de Vana, indo muito mais para frente.
Outra imagem de que não esqueço, foi também em Ponta Grossa. Num fim de tarde do inverno de 2001, depois de passar uns dias com minha filha Nina Rosa, que passara no vestibular de Jornalismo, que menciono anteriormente, ao sair de lá bastante triste, porque cada vez que eu ia vê-la, ela pedia para que eu ficasse mais um dia, e, como isso nem sempre era possível, também ficava triste.
Ao sair da cidade o sol já ia se pondo e na dourada tarde de inverno se refletia nos edifícios dando uma coloração quase surreal àquele, para nós, triste entardecer.
Para não alongar, demasiadamente, essas reminiscências pictóricas, vou narrar apenas mais uma e que se repetiu pelas diversas temporadas de férias de verão que passamos na Pousada Canto das Pedras, na praia de Zimbros, em Bombinhas. Se na lembrança anterior o invernal fim de tarde revestia-se de dourado, agora ele era prata, deixando o mar com uma fantástica coloração prateada até desfazer-se em cinza. Belíssimo.
Talvez eu esteja supervalorizando essas lembranças pelo fato de que hoje tenho bastante dificuldade em perceber cores, devido à fotofobia que possuo e me impede de ver tais belezas em sua totalidade.
Mas alguém disse, creio que no filme Janela da Alma, que nem sempre a beleza está no ver em sua totalidade, mas no perceber, no sentir.
É verdade, mas sinto falta, principalmente, de poder ver, plenamente, a beleza do mar nos finais de tarde.
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