M. Daluz Augusto (In Memoriam)
Edição número 23 – Setembro/1955 – Ano III
O samba morreu de madrugada
A memória de Carmem Miranda, a maior de todas as estrelas, a nossa “Pequena Notável”, aquela que foi a mais expressiva figura feminina do nosso rádio apresentamos este humilde preito de sincera admiração e de imorredoura saudade.
O destino não sabemos porque leis cruéis de desígnios, abusa do capricho cruel de envolver os bons, de tragar os bons em tragédias dolorosamente funestas. Naquele frio cinco de agosto, os maus ventos andaram brincando do brinquedo sinistro de fazer mal aos que aqui vivem. E a morte conduziu em seus braços, em seu bojo frio, aquela figura muito buliçosa, aquela morena brejeira que se chamou Carmen Miranda, a “Pequena Notável”.
As horas rotineiras que encheram aquele dia triste trouxeram para o Brasil a notícia da morte da “Bomba Brasileira”, como diziam os americanos. Sentimos, porque os artistas são por vezes mais íntimos e queridos de nós que muitos parentes e amigos ao alcance das mãos. Dificilmente nos acostumamos com o desaparecimento de um desses amigos célebre. Eis porque o Brasil inteiro cobriu-se de luto pela morte da figura mais expressiva do rádio brasileiro. Meus amigos morreu Carmen Miranda, a força total do samba, abrindo nos meios artísticos do Brasil, uma sensível lacuna que jamais será preenchida.
E aquela notícia veio fria, destruidora, implacável. Carmen Miranda morreu, deixando no coração de todos os brasileiros uma grande e imorredoura saudade. Entretanto, sua lembrança ficará gravada com letras de ouro no coração dos seus fãs. Eles jamais esquecerão tudo o que ela fez pelo Brasil. Jamais esquecerão a beleza da sua voz quente, brejeira e tão cheia de ritmo.
Sim Carmen, nós não a esqueceremos jamais. Para nós você viverá sempre. Viverá na saudade grande que aperta nosso coração. Viverá na música que nos trará a sua voz tipicamente brasileira.
Como os outros cantores que morreram você, também, foi convidada para cantar no céu, para cantar o seu famoso “TAÍ”. Mas lá você dirá: “Taí, eu fiz tudo pro Brasil gostar de mim”… Sim, você fez tudo e nós saberemos ser gratos a você que foi a nossa “Embaixatriz do Samba”.
Mas, Carmen, nós não queríamos que você voltasse assim. Nós a queríamos viva, alegre, brejeira e buliçosa como você sempre soube ser. Nós a queríamos como naquele longínquo 1939, quando você partiu em busca da glória que lhe acenava e que você alcançou mercê dos seus esforços ingentes. Queríamos tocar em suas mãos quentes, ver o “rodopiar” dos seus belos olhos amendoados e o “gingar” do seu corpo moreno. Mas, se era assim que nós a desejávamos, porque voltar do jeito que voltou? Com suas mãos, personalíssimas mãos, frias, inertes. Seus grandes olhos amendoados inexpressivos, parados… Seu corpo que levou as mais longínquas terras do velho mundo o bamboleio da baiana, agora parado, sem vida… Porque voltar assim Carmen?
Apagou-se meus amigos, a luz da maior de todas as estrelas. Aquela que tinha maior brilho, a mais bela de todas as estrelas. E agora, relembrando a sua figura brejeira, buliçosa, sinto despertar em mim uma revolta surda pela ciência dos homens que não foi suficientemente capaz de salvar da morte uma pessoa como Carmen Miranda, que não tinha o direito de morrer.
O Brasil inteiro chorou a morte da “Pequena Notável’, sim, ele chorou, porque emudecera para sempre a voz da “Boina de Piche”. Porque emudecera para sempre a voz do samba.
Automaticamente qualquer coisa faz mexer nossos lábios. É uma prece. Uma prece cheia de fé pela alma daquela que morreu sem ter inimigos. Com estas linhas, “Caiçara” homenageia a memória de Carmen Miranda, a maior divulgadora da música popular brasileira no estrangeiro.
Silêncio tamborins… Silencia pandeiros… Silêncio nos morros… Porque morreu para sempre a voz do samba… Silêncio… O samba morreu de madrugada.
Adeus Carmen Miranda.
(LULU)
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