Mas, afinal, o que você veio fazer aqui?
Eis uma pergunta que tenho ouvido seguidas vezes nos últimos meses. Ao informar meu interlocutor de que venho de São Paulo, cidade na qual nasci e me formei historiador, que pretendo viver vários anos nesta região à qual já me afeiçoei e na qual visualizo uma grande série de qualidades inigualáveis, a pergunta surge rápida como um raio, certa como o nascer do Sol ao início de um novo dia: “mas, afinal, o que você veio fazer aqui?” Confesso que no início a indagação me desconcertava. Não sei explicar ao certo a razão disto… Talvez seja a entonação com que é inevitavelmente formulada; talvez seja a certeza de ouvi-la toda e cada vez que eu disser a alguém que vim para esta cidade oriundo da grandiosa – e caótica, porém sempre querida – São Paulo; talvez seja a reiterada oportunidade de me questionar, intimamente, sobre quais seriam, afinal de contas, as razões que me fizeram optar por União da Vitória entre tantas outras possibilidades e, mais do que isso, me levaram a afeiçoar-me de modo tão profundo a esta terra completamente desconhecida por mim em um passado tão recente. Para a primeira questão, a resposta surge rápida e singela: optei por esta cidade por sua localização geográfica, entre dois estados que já conhecia e dos quais já gostava, e por seu clima, de invernos rigorosos para os padrões brasileiros e verões abençoadamente amenos para alguém cansado de viver próximo aos quarenta graus. A posse no instituto federal e a oportunidade de começar uma vida inteiramente nova, pela primeira vez distante de cenários conhecidos e da família tão querida viria coroar uma escolha que, na pior das hipóteses, determinaria minha vida por alguns poucos anos, apenas o tempo necessário para encontrar uma nova oportunidade em algum outro lugar. Mas eis que aqui me encontro, seis meses após desembarcar em uma cidade até então completamente estranha, completamente incapaz de me imaginar vivendo em qualquer outra. “Mas, afinal, o que você veio fazer aqui?” Poderia responder a esta questão fundamental citando a hospitalidade com que fui recebido, sempre com palavras de afeto e carinhoso respeito. Poderia citar a tranquilidade do interior, bem preciosíssimo para alguém acostumado com as agruras da maior metrópole do hemisfério sul. Estes são, sem sombra de dúvidas, elementos centrais a provocarem meu apreço por esta região. Mas o fato é que, historiador por formação e por paixão, não posso deixar de reconhecer que a trajetória das chamadas “gêmeas do Iguaçu”, cheia de acontecimentos tão grandiosos quanto pitorescos, marcada por personalidades tão importantes quanto improváveis, exerce sobre mim indescritível fascínio e acentuada curiosidade. E não me refiro aqui apenas e tão somente à guerra do Contestado, evento tão importante quanto lamentável na formação de nosso país. Este é apenas mais um capítulo, com certeza o mais triste, de um enredo muito maior e mais variado. Que se inicia na ocupação ameríndia; se transforma com a descoberta do vau, central para o comércio de toda uma grande região; passa pela aventura da navegação a vapor e da construção da ferrovia projetada para ligar a capital paulista aos confins do Uruguai; tem na passagem de presidentes da república brasileiros e estadunidense uma nota marcada pela inegável improbabilidade; e deságua no tempo presente marcado pelas incertezas características dos períodos de expansão acelerada. Como não ficar fascinado com tamanha diversidade histórica? Como não mergulhar a fundo na pesquisa desta trajetória tão atraente quanto ignorada por muitos de seus principais herdeiros? Como não desejar divulgar a todos os achados simplórios, porém cheios de significado, de um forasteiro que ainda se surpreende com o significado de nomes de ruas, fotos antigas de esquinas conhecidas, histórias contadas ao longo de décadas e ainda não imortalizadas através da impressão em papel? As impressões pessoais, escoradas em análises de um passado que insiste em nos influenciar, de eventos aparentemente distantes no espaço e no tempo, mas tão próximos de nós em significados e em consequências? Eis os objetivos desta coluna que hoje inauguro. Se conseguir sugerir alguma reflexão às mentes de meus estimados leitores, dou-me por completamente satisfeito. Se for apenas capaz, contudo, de proporcionar alguns efêmeros momentos de agradável leitura, nem por isso me sentirei menos feliz ou honrado com o tempo dedicado às histórias contadas por este professor que ama o que faz, e se encontra maravilhado com o lugar onde mora.
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