Metamorfose.
Havia na cidade rapazes formados por grupos selecionados por afinidade, quer por práticas esportivas, quer por círculo social, quer por ideais políticos/partidários, quer por qualquer elemento social aglutinador.
Conheci certa vez um rapaz que se identificava com grupo de fisicultores e durante grande espaço de tempo diário se dedicava à prática de exercícios físicos, exercitando-se por horas a fio, elevando alteres, correndo em esteiras e outras atividades. Para cada prática havia objetivo determinado: desenvolver músculos certos, escolhidos para melhorar a forma física com objetivo de se assemelhar ao deus grego Apolo.
Esse rapaz durante o tempo que se dedicou, exclusivamente, à fisicultura desenvolveu invejável físico: músculos abdominais semelhantes à tábua de lavar; bíceps invejáveis, proeminentes; ombros fortes; músculos costais ressaltados; coluna vertebral da melhor espécie que lhe proporcionava altivez, destaque; nas coxas os tríceps eram destacados, enormes; as panturrilhas acompanhavam em magnificência as outras peças do corpo. E, para gaudio do orgulho próprio, quando possível saía a passeio usando camiseta regata, calções justos, tudo que fosse capaz de mostrar a musculatura bem tratada e que destacava a masculinidade, sucesso entre as inúmeras fãs que disputavam a atenção, quem sabe com pretensões casadoiras. Era sucesso, entre os rapazes despertava a inveja, admiração, entre as moçoilas disputa acirrada. Era o verdadeiro garanhão, o macho, disso se ufanava, orgulho que determinava o caminhar de queixo erguido, acima da pequenez dos demais mortais. A ele não havia pecado maior do que a inversão do sexo, homem era homem, mulher era mulher, negava a existência de homossexuais.
Passado algum tempo, encontrei o rapaz sentado à mesa de bar, bebendo cerveja e degustando aperitivos, tudo diferente do antigamente. Já não mais usava o mesmo tipo de roupa, não era o mesmo, muito mais sociável, mais aberto à comunidade.
Depois de curta conversa descompromissada, talvez por desabafo, contou-me a desdita que havia sofrido. Dizia:
“_ Dias atrás, pela manhã comecei a sentir alguns sintomas desconhecidos; dores nos músculos peitorais; coceiras nos mamilos; a perda dos pelos do peito, da barba, das pernas; a pele que amaciava, textura diferente; nádegas aumentando; ombros estreitando. ”
“- A cada dia que passava, sentia crescerem os seios, a pele muito sensível, ombros estreitos, nádegas avolumadas, pernas sem músculos e sem pelos. ”
– “A minha voz, dizia, que sempre foi forte, máscula, agora estava doce, macia, feminina.”
– “Deixei o cabelo crescer, ficou longo, cacheado, bonito. Senti forte, incontrolável, vontade de usar baton, cremes para pele e tudo o mais.”
– “Mas o desespero me abateu quando constatei que os meus órgãos genitais estavam mudando, transformando-se, foram dias de verdadeira tortura, estava me transformando em mulher. Mudei de casa, de bairro, de cidade para onde não fosse conhecido, mudei inclusive de nome porque agora as vestimentas não mais eram masculinas, teriam que ser femininas.”
– “Sofri, contava, uma completa metamorfose, fisicamente me transformei em mulher, fenômeno inexplicável. Era mulher, mas com a psique masculina, tudo o que desejava, sentia, pretendia, era masculino, porém com físico feminino. Era mulher homem, homossexual. Nada poderia ser pior, que destino, que sina, sempre abominei homossexuais, agora era uma. Afinal como teria isso acontecido? Seria castigo, ou teria finalidade determinada? ”
– “Passaram os dias, habituei-me à situação. Compreendi a existência, aceitei as circunstâncias. A pessoa, conclui, é parte física e parte psíquica e por questões involuntárias, nem sempre são coincidentes: pode, oportunamente, o sexo do físico ser diferente do psíquico. Cresci como gente …”
O rapaz ingerindo o que restava de cerveja no copo, levantou, despediu-se e quando ia sair, interpelei-o:
– Como reverteu a metamorfose, pois agora o teu corpo é masculino, nada aparenta de feminino? O que aconteceu?
Alguns passos distantes, parou, voltou-se e disse:
– “Acordei do terrível pesadelo.”
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