Meu primeiro amigo
Escrevi essa crônica em 2001 e como, recentemente, resolvi falar de meus caros amigos, oportuno falar do primeiro deles.
Meu primeiro amigo foi um garoto chamado Tirone José de Braz Duarte, filho de Zélia e José Braz Duarte. Ele tinha 4 irmãos, Temístocles, Tânia, Teodomiro e Teresa Cristina, nesta ordem cronológica.
Conheci Tirone quando mudamos uma quadra para cima na Rua Barão do Cerro Azul. Isto foi em meados dos anos 60, éramos crianças, vizinhos de cerca, estudávamos no Externato Santa Terezinha e mais que isso, uma paixão por histórias em quadrinhos nos unia. O pai de Tirone, “seu Braz”, era o proprietário do restaurante da estação ferroviária, o que nos levava a, constantemente, brincarmos nos trens, infernizando a vida dos ferroviários que insistiam em nos expulsar dos trens ora parados, ora em movimento.
Com a decadência da ferrovia, “seu Braz” teve que fechar o restaurante, abrindo uma sorveteria na garagem de sua casa, que era exatamente onde fica hoje o Edifício São Paulo, na Barão do Cerro Azul, ao lado da casa que até hoje é de minha família. Se o restaurante para nós era uma festa, imagina-se uma sorveteria ao lado de casa e de propriedade do melhor amigo.
Nosso dolé favorito, naquele tempo ainda não se usava o termo picolé, além dos ótimos de água com anelina, era o de coco queimado, uma invenção do velho Braz, que nas frias noites de inverno nos contava histórias de lobisomens que ele dizia ter vivido há muitos anos em sua Rebouças.
Depois de ouvir suas historias lembro de ter medo de ir para casa sozinho. Nunca declarei o meu medo, sob pena de parecer medroso. Mas ia lépido para casa, sem olhar para os lados ou para trás. Lembro com exatidão que o velho nos dizia: “se alguém aparecer em tua casa durante o dia pedindo açúcar, não dê, pois ele voltará a noite, ai já não mais como homem, mas como lobisomem”.
Tivemos bons momentos juntos, sonhamos em ser super-heróis, eu era o demolidor, o super-herói cego da Marvel Comics, que ao perder a visão ganhara uma aguçadíssima sensibilidade em seus outros sentidos, principalmente, a audição. O que hoje não deixa de ser irônico. Tirone era o Judoka, herói brasileiro faixa preta em judô, o que nos motivara a primeiro comprar livros sobre essa luta marcial e depois freqüentarmos por um curto período a academia Sandokan, que funcionava na Avenida Manoel Ribas, esquina com Salgado Filho.
Nos fundos da minha casa construímos um ringue, onde colocávamos em pratica nossos parcos conhecimentos de judô e os ensinamentos adquiridos no programa “Gigantes do Ringue”, que o canal 6 passava às 23 horas de sábado e que minha mãe me acordava para assistir. Meu ídolo era Mr. Argentina, o de Tirone, Fantomas, um mascarado que se vestia todo de preto, tinha uma perna dura e por isso nunca caia. Tirone que tivera paralisia infantil, mancava um pouco e provavelmente, identificava-se com o tal Fantomas. No ringue, gostávamos de lutar em dupla e nossos principais adversários eram Nivaldo Camargo, o Mr X e Dario Bordin Lenci, o Ted Boy Marino.
Tirone foi o garoto mais corajoso que conheci. Nunca corria de uma briga. Numa tarde estávamos em frente à minha casa quando passou um engraxate, um temido garoto loiro, tido e havido como muito bom de briga. Nos provocou e Tirone comprou a parada, no começo apanhou muito, ficando com o nariz e a boca muito machucados. Deu a volta por cima, imobilizou o garoto e o fez jurar que nunca mais nos provocaria, nem tampouco apareceria em nossa rua. O mesmo deu-se com um garoto chamado Carlinhos, irmão do temível Chocolate, célebre por intimidar todos os garotos da vizinhança, até levar a maior surra de nosso querido Tirone. No final de 1969, Tirone, com sua família, foi embora para Ponta Grossa.
Depois disso o vi apenas uma vez em 1971, quando ele veio visitar-me. Estava diferente, mais alto e usando óculos. A vida nos fez seguir rumos diferentes. No início de 2001, quando minha filha Nina Rosa foi estudar na UEPG, decidi ligar para meu velho amigo, há quem não via a exatos 30 anos. Procurei seu nome na lista telefônica, lá estava ele, impávido, Tirone J. Braz Duarte.
Liguei e ninguém atendeu. O tempo passou e as atribulações cotidianas não permitiram que eu o procurasse novamente. Juntamente com minha mulher, Margarete, fui passar o final de semana em Ponta Grossa, com Nina Rosa e no final da tarde de sexta-feira resolvi ligar para o Tirone. Uma voz de mulher atendeu ao telefone. Eu disse que queria falar com Tirone e minha interlocutora perguntou quem desejava falar com ele. Identifiquei-me como o velho amigo da infância de União da Vitória. Minha interlocutora disse que tinha uma noticia triste, Tirone falecera há alguns meses, mais precisamente em maio daquele ano. Só então perguntei com quem eu falava.
Era Teresa Cristina, a irmã mais velha que me contou que Tirone morava com ela, morrera repentinamente, não estava doente. Alguns dias antes de morrer, sentira fortes dores de estomago e não quis ir ao medico, dizendo que aquilo logo passaria. Não passou e um infarto fulminante o matou. Tirone havia casado há 20 anos atrás e se divorciado quando sua mulher ainda estava grávida. Deixou um filho. Seu irmão Teodomiro foi locutor de radio aqui em União da Vitória, faleceu em agosto daquele ano,, também do coração. Senti muita saudade de nossa infância e uma imensa tristeza, por não tê-lo procurado antes, para que pudéssemos relembrar os inefáveis momentos de nossa grande amizade. Ficou-me um nó na garganta pelo soluço reprimido, pela lagrima contida, pela perda daquele que foi meu primeiro amigo. Descanse em paz, irmão que não tive.
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