Nem só de cancelamentos vive a Netflix
Parece que os tempos de insegurança afetaram nossa televisão. Com todos esses governos malucos ou ilegítimos por aí, o único lugar pra onde podíamos fugir agora também não parece mais um porto seguro. Nas últimas semanas a Netflix anunciou o cancelamento de três séries originais. E diz que vem mais cancelamento por aí. Primeiro foi The Get Down, a série sobre o surgimento do hip hop idealizada por Baz Luhrman. Depois de uma primeira temporada boa e de uma segunda que quase passou batida. A série custou muito dinheiro à Netflix, que garantiu que o retorno de audiência foi fraco. Como o retorno de crítica também não veio (The Get Down não foi sequer indicada nas principais premiações de televisão, o que até faz sentido) a série acabou rodando. Logo em seguida foi a vez de Sense8, das irmãs Wachowski, as mesmas que deram ao mundo a trilogia Matrix. Sense8 não é uma série ruim, mas também não é excelente. Razoável, na medida do possível, conta com interpretações por vezes exageradas, um argumento confuso (ainda que vá se revelando aos poucos) e simplesmente perdeu o fôlego entre temporadas. Parcialmente por causa de um especial de Natal desnecessário, que afastou até pessoas que haviam gostado da primeira temporada, com eu. Contudo, na última quinta-feira saiu a notícia quentinha de que pelo menos Sense8 vai ter um final. Um especial de duas horas será produzido pela Netflix, que não vai deixar os fãs na mão, provando mais uma vez que Netflix e canais de televisão não são a mesma coisa. E por último foi a vez de Girlboss. Não vi nem quero. Não sou obrigada. A Netflix tem lançado cerca de 100 novos produtos por temporada, não dá pra acompanhar tudo. Num mundo de cancelamentos talvez as escolhas do que ver já sejam feitas por nós. Afinal, quem quer começar a ver uma série que será deixada de lado, sem conclusão? Em contrapartida parece que existem algumas séries que estão seguras na programação. É o caso de Orange is the New Black e House of Cards. As duas da primeira geração de séries originais Netflix. Ainda sucesso de público e crítica, ambas mantem suas estreias de temporada em datas parecidas com as originais (OITNB sempre no final de semana que antecede ou do dia dos namorados no Brasil), ambas renovadas. Mas se fôssemos apostar em mais algumas, quais seriam? Bem, em terceiro lugar acho que viriam empatadas duas séries da segunda geração: Grace and Frankie e The Unbreakable Kimmy Schmidt. Grace and Frankie é aquele tipo de série querida, com um tipo de humor muito mais sensível do que escrachado, com momentos sinceramente emocionantes e com duas protagonistas incrivelmente carismáticas, mesmo quando suas personagens estão sendo irritantes para além do humanamente aceitável. Se você não faz ideia do que eu estou falando, se você nunca parou pra dar uma olhadinha em que diabos de série é essa focada em duas mulheres mais velhas, eu recomendo que você pare agora tudo que está fazendo e vá pra frente da televisão ou do computador, ligue a Netflix e procure a série. Estrelada por Jane Fonda e Lily Tomlin, dois monstros sagrados do cinema hollywoodiano, a série ainda conta com coadjuvantes de peso, como Martin Sheen e Sam Waterston. A narrativa é até certo ponto simples: Grace and Frankie se odeiam, mas acabam forçadas a morar juntas (numa espécie de vingança torta) numa casa de praia depois dos maridos de ambas pedirem o divórcio porque estão apaixonados um pelo outro. Aliás, o tratamento dado ao relacionamento homossexual entre dois homens com mais de 60 anos, finalmente se assumindo e casando, é muito bonito, respeitoso, bem feito. Por mais que as protagonistas sejam suas ex-mulheres, que de início não lidam bem com isso. Grace é uma espécie de dondoca que fez nome e fama a frente de uma grande empresa e Frankie é uma artista plástica hippie incrivelmente excêntrica. As personalidades diametralmente opostas das personagens fazem com que elas se odeiem a princípio, mas com o tempo ela entendem as complementariedades. E se tornam melhores amigas. E começam um negócio juntas. E enfrentam o divórcio juntas. E a artrite e problemas no quadril. A série não se esquiva de fazer algumas piadas com a idade avançada. Especialmente nesta nova temporada, quando as duas lançam seu vibrador focado em mulheres mais velhas. Com produção executiva e participação criativa das duas atrizes protagonistas, Grace and Frankie é algo diferente de tudo que existe na televisão hoje, em que as séries parecem se focar em personagens cada vez mais jovens ou estórias cada vez mais mirabolantes. Uma série sensível, se fosse necessário descrevê-la em uma única palavra. Imperdível, seria outra boa palavra.
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