Nossas línguas portuguesas
Estive em Portugal no início de janeiro, com um grupo de amigos. Ao chegarmos lá, uma das companheiras de viagem ficou frustrada, pois não conseguia entender o que lhe diziam, em português. Disse-me que em Londres entendera-se bem com todos, falando inglês, e que não gostava do fato de não se entender com alguém que falava sua própria língua.
Até que ponto a língua “deles”, em Portugal, é também a “nossa” língua, no Brasil? Se como Fernando Pessoa, eu disser que “Minha pátria é a língua portuguesa”, essa língua portuguesa será a falada no Brasil, em Portugal, ou em tantos outros países? Se entendo que falam a mesma língua, são então a mesma pátria?
Os conceitos de língua e pátria são extremamente subjetivos, podendo mesclar-se indefinidamente em intrincadas considerações. Falemos, portanto, sobre observações mais objetivas, visíveis nos estranhamentos das palavras e no uso que fazem da língua portuguesa brasileiros e portugueses, cá ou lá estejam. (Essa construção me lembrou do nome pitoresco de uma lanchonete na cidade de Guimarães: “Eu já cá estou, e tu?”)
Hoje em dia, ao viajar, nem bem chegamos a uma parada queremos usar os telemóveis (celulares) e perguntamos qual é a senha do wi-fi. Algumas respostas: “Não percebi”, que significa Não entendi, e “Já te digo”; sim, essas eram realmente as senhas.
Para compreender o que nos dizem os portugueses, é preciso entender que muitas vezes as vogais não serão pronunciadas, e acostumar-se com os Sschiadinhos; aliás, parece-me que eles realmente usam todos os Ss, até mesmo alguns que nos parecem desnecessários: em português o avião descola. E que delícia para uma professora de português ver tanta gente usando o verbo haver! Há isso, não há aquilo… E a ênclise, então? Usada o tempo todo por pichadores que escrevem: Amo-te!
É preciso, também, é claro, passar a conhecer outros termos, pois nós brasileiros e os portugueses muitas vezes não chamamos as mesmas coisas pelos mesmos nomes. Se vai pegar o ônibus, procura pelo autocarro em sua paragem; se vai de trem, é o comboio. O metrô muda o acento para a primeira vogal, que se pronuncia aberta. E se vai de carro (ligeiro) como nós, que alugamos uma carrinha (van), prepare-se para um sem fim de pagamentos de pedágio, ou portagem; o que também há em abundância nas estradas portuguesas são rotundas, que chamamos de rotatórias. Foi a primeira vez, em muitos anos, que nos deparamos com os chamados banheiros turcos, na beira da estrada; é preciso agachar-se para usá-los, pois não há sanita, ou vaso sanitário.
Durante a pausa para um lanche no Museu do Pão, que fica na cidade de Seia, na Serra da Estrela, perguntei sobre o recheio de um salgado, e após a resposta expliquei ao meu marido: “É de presunto e queijo.” A que prontamente seguiu-se a correção: “Não, senhora, não é presunto, é fiambre”. Pois não, o presunto deles é bacon, ou assemelha-se também ao jamón espanhol; mas para mim o fiambre é apresuntado… Bebe-se sumo, e não suco de frutas; e o açougue se chama talho. O desjejum chama-se pequeno-almoço, e as natas estão em toda parte, em forma de creme de leite ou pudim, recheando os pastéis e acompanhando o bacalhau. Disseram-nos que os sanduíches não se chamam mais pregos, mas vimos alguns anúncios ainda usando esse termo; em geral, chamam-se sandes. Pelas variantes de lá e de cá serem tão semelhantes, é fácil errarmos nas deduções: o nome do prato era massinha de peixe, e eu achei que receberia um peixe à milanesa; recebi um prato de macarrão com pedaços de peixe. Para não errar, pede um prato feito, que se chama bitoque.
Foi nossa primeira experiência com o Airbnb, que recomendo muito. Tivemos a oportunidade de hospedar-nos em duas moradias em diferentes cidades de Portugal, uma no norte, Guimarães, e outra no sul, Setúbal. As casas lá têm casas de banho, que é como se chamam os banheiros, e na cozinha têm frigoríficos. Nada muito grandioso, é como chamam a geladeira.
Acho que vocês também gostariam de conhecer alguns nomes que nos parecem indecentes, e que lá são usados normalmente; por vezes com o mesmo sentido obsceno que lhes damos aqui, mas sem fazer tanto caso. Os churros são porras recheadas; há um prato de bacalhau que se chama punheta, justamente pela forma como é preparado com as mãos, e que pode ser servido com grelos. E nos mercados vendem-se sacolas que incentivam sua reutilização com a frase: Eu reutilizo meu saco. Até aí tudo bem, tudo isso está à vista nos cardápios e mercados, e usa-se sem perturbação. Há, porém, termos brasileiros que costumamos usar e que podem ser mal entendidos por lá: Procure não chamar os atendentes por “Moço” ou “Moça”, pois é um termo pejorativo que denigre a pessoa.
A primeira semana do ano é a melhor para fazer compras na Europa, pois todas as lojas oferecem descontos, ou saldos. Nós também quisemos aproveitar, e ao longo das compras fomos aprendendo mais sobre as línguas portuguesas. Se quiser comprar calcinhas, procure por cuecas. Também não vai adiantar procurar por camisetas, pois chamam-set-shirts, como em inglês. E se houver avisos para cuidar com os carteiristas, são os batedores de carteira.
Só posso recomendar: Vai a Portugal! Não só para fazer turismo, mas por ser brasileiro e falar, também, o português. Porque o português de Portugal nos parece estranho somente a princípio; a língua, como as pessoas, rapidamente nos parecem muito próximas, e dão-nos uma noção de que o oceano que nos separa não é tão grande como a história que nos une.
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