Numerais, para que vos quero?
Nas cinco curiosidades abaixo, vejamos se você encontra o erro em cada uma:
1) A Mega da Virada para 2018 premiou quatro mil, oitocentas e sessenta e duas pessoas que acertaram a quintilha.
2) A pequena amazonense de Manaus, Evelyn Frota Araujo, foi eleita a mais jovem miss brasileira, com onze meses e dezasseis dias.
3) O meia-campista Luka Modric foi eleito o melhor meia em 2017.
4) No mundial de atletismo indoor deste ano a brasileira Rosângela foi eliminada por apenas um cêntuplo.
5) A Conab projetou uma pequena queda para a produção brasileira 2017/2018 de feijão de safra primeira, segunda e terceira.
Numerais são elementos tão corriqueiramente usados, e mesmo assim às vezes nos pregam algumas peças: Como ler o ordinal 886º, por exemplo? Octingentésimo octogésimo sexto. Como fazer a concordância: A empresa entregou cento e uma encomenda ou encomendas? Se o número é plural, faremos a concordância de acordo: encomendas.
Na primeira curiosidade acima, todos os leitores devem ter percebido que usariam o termo “quina” ao invés de “quintilha”, pois sabemos que é assim que chamamos o grupo de cinco números sorteados na loteria. “Quintilha”, assim como “quina”, é um numeral coletivo, que ao invés de indicar um grupo de cinco unidades refere-se a um conjunto de cinco versos literários. Numerais coletivos podem indicar, por exemplo, quantidades: vintena, grosa, milhar; tempo: novena, bimestre, quinquênio; pesos e medidas: arroba, resma, alqueire.
A segunda frase parece ter um erro de digitação, mas o uso da letra “a” na palavra “dezasseis” é proposital. Essa é a forma mais usada em Portugal, e considerada, muitas vezes, inculta no português do Brasil. Ambas indicam o numeral cardinal equivalente a uma dezena mais seis unidades. Numerais cardinais, indicadores de quantidades absolutas, são usados com muito mais frequência que os ordinais, que indicam uma ordem ou uma posição numa série. Os numerais cardinais passam a nos apresentar maiores dificuldades quando os números se tornam mais altos. O que vem, por exemplo, depois de um trilhão, número já ultrapassado no impostômetro? Quatrilhão, quintilhão, sextilhão, septilhão, e assim por diante. No caso dos números ordinais, as dúvidas começam ainda antes: 3.000º é lido três milésimos ou terceiro milésimo? Nesse caso tanto faz. Na leitura dos numerais romanos, fazemos uma interessante distinção: De I a X são lidos como ordinais (primeiro a décimo), enquanto que do XI e diante são lidos como cardinais (Luís XVI = dezesseis, ou dezasseis, como queira).
Modric pode ser o melhor “meia”, mas deveríamos utilizar “meio-campista”, na forma masculina, porque o termo “meio” refere-se ao meio do campo, no futebol. E por que inserir esses termos quando falamos de numerais? Em primeiro lugar, porque nos referimos a uma porção, a metade (meia entrada); em segundo lugar porque “meia” já concretizou seu uso entre nós como substituto do número “seis” (trocamos seis por meia dúzia); e, finalmente, porque as formas feminina e masculina são constantemente confundidas. O numeral é usado nas formas feminina (meio-dia e meia) ou masculina (beber meio litro). Mas esse distingue-se do advérbio de intensidade, meio, (significando “mais ou menos”) que não se flexiona em gênero, mesmo seguido de adjetivo feminino: meio nervosa, meio cansada.
Numerais podem ser multiplicativos e fracionários, e quando não somos muito familiarizados com eles podemos confundi-los. Na quarta curiosidade deveria ter sido utilizado o numeral “centésimo”, fracionário, ao invés de “cêntuplo”, multiplicativo. Alguns numerais fracionários passaram a designar coisas, passando ao status de substantivos, como: Quarto- nomeava a quarta parte de uma casa, e passou a designar o aposento de dormir; rezar o terço é rezar a terça parte do rosário; do ordinal oitavo derivou-se o nome Otávio, que entre os romanos indicava o oitavo filho.
Afinal, uma questão de concordância: Por estar anteposta aos numerais, a palavra “safra” deve ser escrita no plural, mesmo que primeira seja singular, pois a afirmação refere-se às três safras. O substantivo poderia ser utilizado no singular no caso de estar posposto aos numerais, e estes precedidos pelo artigo: da primeira, da segunda e da terceira safra.
A presença tão constante dos numerais no nosso cotidiano exige um pouco de atenção à adequação do seu uso. Espero que este texto seja um bom exercício no sentido de atualizar-se quanto a algumas normas. Quanto a outras, que muitas vezes não estão escritas, também se recomenda atenção: Chamar alguém de quarentão ou pedir um cinquentinha pode ter conotação pejorativa.
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