O caminho marcado pela história
Morar na avenida João Pessoa, em Porto União, pode ser considerado, sem qualquer receio de exagero, um grande privilégio. Não apenas por sua localização excelente para os padrões urbanos de nosso tempo (nela ou em suas proximidades temos bombeiros, polícia, padaria, supermercados, um importante centro comercial), mas pelo significado histórico de um logradouro que ao longo de décadas cumpriu um importante papel não apenas na trajetória regional, mas também – e de novo não tenho medo de parecer ufanista ao escrever isso – de todo o país. Mas, se realizo tais afirmações crente de que não sou movido por qualquer sentimentalismo piegas, mas sim por fatos históricos de grande importância, convém expô-los até para cumprir com o principal objetivo desta coluna, já expressa em seu nome.
Algumas semanas atrás escrevi, neste mesmo espaço, algumas linhas acerca da importância do movimento tropeiro para o desenvolvimento não apenas do Paraná e de Santa Catarina mas, também, de toda a região centro sul do país. Principal meio de abastecimento e comunicação da região mineradora com o restante do mundo, posteriormente rota de comércio que movimentou mercadorias as mais variadas entre o Rio Grande do Sul, a região platina e algumas das principais capitais do Império, o tropeirismo criou, com seu incessante vai e vem de animais e seres humanos das mais diversas condições étnicas e sociais, tradições culturais e religiosas que até hoje influenciam nossos hábitos mais cotidianos. Mais do que isso, criou necessidades econômicas que provocaram o surgimento de inúmeros povoados às margens dos seus caminhos, entre os quais o de Porto União da Vitória, estrategicamente localizado nas cercanias do importante vau do rio Iguaçu, buscado e descoberto lá nos idos de 1842.
Sobre a importância deste elemento geográfico e hidrológico já teci alguns comentários nas semanas anteriores, e voltarei a falar em oportunidades futuras. Aqui, contudo, quero ressaltar que sua importância econômica reside única e exclusivamente em sua função como elemento de passagem, como corredor privilegiado a permitir a travessia segura do rio Iguaçu e a economia de vários dias de viagem. O que implica em que o vau, enquanto monumento histórico inigualável, só pode ser plenamente compreendido em conjunto com os caminhos que a ele conduz e que, em alguns casos, em função dele foram construídos. E é aqui que ganha relevo, em nossa trajetória, o caminho de Palmas, significativamente referido em documentos ainda hoje existentes nos arquivos imperiais localizados no Rio de Janeiro como “Estrada Estratégica de Palmas”.
Via de ligação entre os cada vez mais importantes campos de Palmas e o vau do rio Iguaçu, esta estrada adquiriu, ao longo da segunda metade do século XIX, uma importância diretamente proporcional à quantidade e ao valor das mercadorias que por ela passavam constantemente – animais numerosos, sal, alimentos, produtos manufaturados (vários provavelmente importados), muita erva mate. E desde muito cedo acabou incorporada ao conjunto urbano de Porto União da Vitória, recebendo construções comerciais e residenciais de pessoas envolvidas com o intenso movimento que então demandava o vau. Movimento que acabou imortalizado pelas lentes de Claro Jansen, então preocupado em documentar a passagem pela cidade das tropas que demandavam os campos convulsionados pelas batalhas da Guerra do Contestado. Mas este já é assunto para uma outra conversa.
Por agora deixo-vos apenas a lembrança de que para cada carro, cada ônibus, cada caminhão que hoje trafega pela avenida João Pessoa, existiram outros tantos carroções e animais de carga que por lá passaram ao longo de décadas a fio. Com a poeira que estes levantaram, com o barro que remexeram, com as marcas das pegadas que deixaram, impregnou-se naquele solo e nas construções que ainda resistem à ação do tempo um pouco de nossa história, a nos mostrar que não importa onde estejamos ou por onde passemos, sempre teremos como companheiros inseparáveis as lembranças de todos aqueles que nos precederam, e as esperanças de todos aqueles que nos sucederão.
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