O fim das utopias
Esta crônica se funda em três diferentes fontes de inspiração, a formidável crônica do psicanalista Contardo Caligaris, publicada na Ilustrada, na edição de 28 de agosto da Folha de São Paulo, no livro O sentido de um fim, que valeu ao inglês Julian Barnes o prestigiado Man Booker Prize, de 2011 e ao aniversário de meu grande amigo, Nivaldo Feliman Camargo, que neste dia 2 de setembro estaria completando 57 anos.
De acordo com Caligaris em sua memorável crônica, há divesrsas ocasiões em nossas vidas em que gostaríamos de fugir, seja da família, dos amigos, do nosso passado, de nós mesmos, de tudo enfim. Ele prossegue dizendo que esse desejo de fuga, às vezes se exacerba na adolescência, quando a fuga é um jeito saudável de crescer. Há os que fogem para os devaneios, para outra religião, para drogas, para ideias políticas inéditas na nossa família, para promiscuidades sexuais bizarras ou, ainda, fugimos de casa com uma trouxa nas costas.
Perfeito. Caligaris que nesta mesma crônica conta que fugiu de casa aos 14 ou 15 anos, comseguiu em poucas linhas expressar a angústia de milhares de adoloscentes, entre os quais eu e Nivaldo, em nossos indefectíveis 16 – 17 anos.
Nessa época, nós em meio a uma profunca crise existencial, na qual íamos gradualmente, construindo nossas identidades, sonhávamos com uma sociedade utópica, mais livre e portanto, menos repressora.
Todas as noites nos reuníamos na casa de Paulo Murara para pensar nosso futuro e em meio a intermináveis conversas, decidimos que quando fizéssemos 18 anos, íamos rodar o mundo em cima de motocicletas. Nem ao menos tínhamos motocicletas, nem dinheiro para comprá-las, mas inspirados em filmes como o mítico Easw Rider, queríamos romper convenções, como a do tempo, por exemplo.
Logo nas primeiras cenas do filme, um de seus protagonistas tira o relógio e o joga fora. Estava rompida aí a primeira convenção. Juramos nunca nos submetermos à ditadura imposta pelo tempo. Depois de adultos percebemos tal impossibilidade. De qualquer forma, essa cena me marcou tanto, que nunca usei relógio. È uma form, ainda que simbólica, de me sentir um pouco mais liberto dos grilhões do tempo.
Inspirados no som viajandão das bandas de rock progressivo dos anos 70, que evocavam atmosferas esotéricas, eu e Nivaldo fomos buscar refúgio e respostas para nossas incertezas em uma seita chamada Ordem do Graal na Terra. Uma de suas sede era em Curitiba, no hoje já antigo Edificio Asa, na Rua Voluntários da Pátria. Para ingressar na ordem era preciso ler um livro denominado de O segredo da grande pirâmide. Conseguimos o livro. Lemos e abandonamos a ordem antes mesmo de entrar. Era demasiadamente esotérica para nós. Prosseguimos em nossa insatisfação com nós mesmos e sobretudo com o mundo que nos rodeava e fundamos um grupo denominado de War and demolition, cujo objetivo, nada megalomaníaco, era mostrar ao mundo, claro que primeiramente, no microcosmo de nossa cidade, que seus principais valores eram vazios e efêmeros.
E como fazer isso?
O primeiro ato era explodir uma gigantesca pilha de latas vazis de óleo, em uma oficina mecânica nas imediações de nossas casas e deixar um manifesto com as intenções do grupo. Durante tardes e tardes, planejamos, minuciosamente, a ação. Eu escrevi o manifesto, que ainda tenho comigo e construímos o artefato explosivo. Chegada a grande noite e com o auxílio de mais alguns integrantes do grupo, que ficariam na retaguarda, fomos explodir as latas. O artefato não foi bem vedado e depois de aceso, descolou um dos lados, com a pólvora vindo toda em minha direção e me chamuscando braços, sobrancelha e cabelo. Tivemos que sair as pressas sem explodir nada, nem tampouco deixar o manifesto e ainda tivemos que nos esconder da polícia, chamada pelo guardião da oficina.
Tentamos posteriormente mais algumas ações para divulgar o manifesto e todas fracassaram. Abandonas a ideia.
Logo depois reformamos um galpão ao lado de nosso antigo campo de futebol, àquela época já abandonado e o batizamos de Laranja mecânica, em homenagem aos emblemáticos, livro de Anthony Burgess e ao filme de Stanley Kubrick. Não havíamos lido o livro, nem visto o filme. Em 1975, ambos estavam proibidos pela ditadura militar e só seriam liberados em 1979, mas nós sabíamos que eram um protesto contra a supressão das liberdades individuais e essa era nossa singela forma de também protestar.
Nossas tentaivas de fuga, sejam quais tenham sido elas, fracassaram, talvez por falta de coragem, talvez por falta de convicção.
Ao completar 18 anos, Nivaldo ao se alistar no Exército, disse que queria prestar o serviço militar em Brasília. Tentei demovê-lo, dizendo que era uma insanidade. Não adiantou. Ele foi, abandonou a família, a escola, os amigos e; principalmente, a ex namorada e a calma vida que levava.
Finalmente, um de nós havia efetivamente fugido. Resta saber, embora nunca saberemos, o que essa escolha pode ter modificado no rumo de nossas vidas.
Mas esse, talvez seja assunto para uma próxima crônica e infelizmente, sem a presença de Nivaldo, para concordar ou discordar.
De qualquer modo suas ideias e atitudes, com as quais nem sempre concordei, continuam a me inspirar.
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