O Globo de Ouro mais feminista que você respeita
O Globo de Ouro foi tão bonito. Toda aquela gente junta, vestindo preto para denunciar uma vida de abusos em Hollywood. Aí teve premiação de séries importantes, como Big Little Lies e Marvelous Mrs. Maisel – para as quais eu estava torcendo entusiasticamente. Que não apenas abordam assuntos importantes em gêneros diferentes, a primeira é um drama e a segunda comédia, mas vão ao cerne do problema, tratando de uma masculinidade frágil e tóxica. Big Little Lies, além do prêmio de melhor minissérie também levou a estatueta de melhor atriz para Nicole Kidman, melhor atriz coadjuvante para Laura Dern (em dois discursos inspirados, somados ao de Reese Whiterspoon ao aceitar o prêmio principal). Alexander Skasgard levou de melhor ator, pela mesma série. E a favorita de 2017, uma das melhores séries dos últimos anos, The Handmaid’s Tale, levou o prêmio de melhor série dramática e melhor atriz para Elisabeth Moss. Outra série importante, com equipe feminina e que fala de emancipação e do perigo do fanatismo religioso.
Mas a noite teve muito mais que isso, mais que troféus entregues, teve ativismo pungente. Teve Natalie Portman não se calando ao apresentar a categoria de melhor direção e criando climão ao avisar, “todos homens”. Teve aquele tipo de sororidade, mulheres apoiando e estendendo as mãos para outras mulheres, que a gente quer tanto, mas que é tão raro.
Teve o magnífico discurso da Oprah, falando sobre se reconhecer como uma pessoa negra ao ver o Sidney Poitier receber o Globo de Ouro quando ainda era uma garotinha, sobre se sentir empoderadamente negra e depois se reconhecer como mulher negra, e citou Rosa Parks. E avisou, como o slogan da campanha diz, o tempo de violência acabou.
Todos os discursos das vencedoras foram incríveis, belíssimos, exaltando justamente essa união de mulheres, se colocando como apoiadoras de todas. Dos homens não se pode dizer o mesmo. Discursos insossos e quase infantis no meio de palavras tão significativas. Sem contar, além da categoria de direção, a premiação de dois atores acusados de abuso e agressão, James Franco e Gary Oldman. Não é de todo surpreendente de uma associação de crítica estrangeira que já premiou ano passado outro abusador, Casey Affleck. Mas essas coisas, mais o apontamento de Barbra Streisand de que ela foi a única mulher ganhadora do globe de direção em 75 anos de premiação, ofuscaram o brilho de uma noite tão resplandecente de união feminina e – por que não – feminista. Esse crédito podemos colocar na conta da Associação de Críticos Estrangeiros em Hollywood.
E nos dias que se seguiram ao sonho de uma noite de união vem o pesadelo do dia a dia. Cem artistas francesas chamando tudo isso de exagero. Dizendo que um flerte mais insistente não é abuso, que uma mão indesejada no joelho não é agressão. Um horror. Mas não tanto horror quanto o texto de Danuza Leão no Globo, chamando essa luta tão difícil, surgida de séculos de agressão, de mimimi. Chegando ao cúmulo de dizer que as mulheres deveriam ser assediadas três vezes por semana. Parece que essa senhora precisa ser interditada, bem como algumas das cem senhoras francesas que acham que homens em posições hierárquicas pressionando mulheres não são abusadores. Vamos deixar uma coisa bem clara? Chamar uma mulher de gostosa na rua é assédio. Tocar em uma mulher que não quer ser tocada é assédio. Flertar insistentemente com alguém que já se manifestou contrária a essa postura é assédio. Mulheres, vamos parar de passar pano pra macho abusador, não importa quão relevante ele seja para as artes, não importa quão importante ele seja para a indústria do entretenimento. E homens, por favor, melhorem.
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