O Presente de Natal
A menina apressou o passo para conseguir acompanhar a mãe. Estava com sua mãozinha suada, mas não soltava a da mãe. Ana tinha cinco anos, ela olhou para cima e pareceu-lhe que sua mãe ficara maior do que ela. A mãe, no entanto, estava absorta em seus pensamentos, e esqueceu que estava quase arrastando a menina, já sem fôlego para continuar. Percebeu a fadiga dela depois de vários tropeços da pequena. Sentiu-se mal pela atitude agressiva com sua filhinha. Para compensar sua consciência, levou-a para fazer um lanche. Colocou-a sentadinha em um banquinho e ficou olhando o apetite com que devorava o lanche. Resolveu então dar um tempo e foram sentar-se no banco da praça, em frente à Igreja Matriz. Percebeu as luzes da Natal, os arranjos, o presépio no meio da praça. Lembrou que já era quase Natal. Ficou pensando e sentindo nostalgia. Ana estava observando sua mãe há algum tempo, com tão pouca idade, mas já sabia que algo estava errado. Ficou imóvel, pois tinha medo de quebrar o silêncio. A mãe deixou rolar as lágrimas, as quais tentou esconder.
– Mamãe, você está chorando?
– Não, filha.
– Está sim. Passa o dedinho e consegue segurar uma lágrima…
– Olhe, mamãe, você está chorando sim.
A mãe abraçou a menina num ímpeto de fuga. Escondendo seu rosto no corpinho da filha. Ficaram por um longo tempo abraçadas. A mãe deu um longo suspiro e observou e olhou para longe, como se estivesse à procura de algo que ficou no seu passado de menina.
– O que aconteceu, mamãe? Você está triste? Fale comigo!
A mãe olhou a pequena e disse:
– Filha, é a saudade de um tempo que não volta mais.
– Conte mamãe, conte sobre a saudade.
– Sabe filha, quando eu tinha a sua idade, meu pai, seu avô, trabalhava muito, mas o dinheiro não sobrava. Sua avó trabalhava rente para nada nos faltar e não faltava. O clima de Natal me traz muitas recordações. Papai e mamãe me traziam aqui, na época do Natal, havia o Presépio Vivo.
– O que é Presépio Vivo, mamãe?
– É encenado por pessoas vivas, como nós, até o menino Jesus era um bebezinho e chorava muito. Tudo nos fazia sentir paz. Perto da nossa casa, havia muitas crianças e todas recebiam algum presente do Papai Noel. Na esquina morava uma família muito pobre, o pai estava sem trabalhar devido a uma doença, a mãe lavava roupa para fora, mas tinha que fazer o trabalho em sua própria casa, para poder cuidar do marido.
E, ainda, havia o filho de cinco aninhos, ele era um menino especial.
– Por que especial, mãe? Ele era diferente?
– Sim, filha.
– Por que, mãe?
– Ele nasceu com uma doença e nunca andou, nem falou… Era triste vê-lo crescendo sem poder ficar sobre as pernas. Ele ficava sempre no chão, sobre um monte de cobertas e panos para não se machucar. Percebia-se que ele sofria…, pois estava sempre com o olhar vazio, parecia querer gritar a sua dor. Todos no bairro o conheciam como Pedro ou menino aleijado. A mãe continuou a falar como se estivesse desabafando algo que a torturava. Sabe, Ana, todo Natal me traz lembranças do Pedrinho.
– Por que, mãe? Conte mais, conte!
A mãe continuou, a família e vizinhos trabalharam muito para conseguirem uma cadeira de rodas para ele, mas a cada ano o resultado era negativo. A mãe dele disse que a cada Natal, a família tinha esperanças de que alguém doasse o tão desejado presente: uma cadeira de rodas. Havia muita gente engajada para conseguir sucesso, mas sempre havia outra prioridade. Hoje, com a proximidade do Natal, veio-me a lembrança daquele Natal em que eu esperava ganhar uma bicicleta. Foi o meu pedido ao Papai Noel, mais tarde, resolvi escrever outra cartinha pedindo que Papai Noel trocasse a minha bicicleta por uma cadeira de rodas para o Pedro. A noite de Natal se aproximava, os preparativos eram muitos, minha mãe e avó faziam bolachas pintadas com açúcar colorido, muitos doces e salgados, porém tudo era feito em casa, num grande forno, que ficava do lado de fora da cozinha. A alegria contagiava a todos, meus primos, todos com a mesma idade, não conseguiam segurar a ansiedade para receber o Papai Noel. Eu estava aflita para que ele se lembrasse da cadeira de rodas. Chegou a noite tão esperada. O Papai Noel entrou pela porta da sala, trazendo um ajudante, pois havia muita coisa a carregar. Olhei para todos os lados e não vi nada parecida com cadeira de rodas. A minha bicicleta veio, era linda, como eu imaginava. Corri os olhos e perguntei ao Papai Noel:
– Você não recebeu o pedido que fiz para Pedrinho?
– Ah! Sim, recebi. E com a ajuda de muitas pessoas, conseguimos.
– Ah! Papai Noel, conte como foi a entrega, como Pedrinho ficou?
Todos em coro gritaram:
– Conte! Conte! Papai Noel!
O velhinho curvou-se mais, olhou para mim, com os olhos cheios de lágrimas e soluçando me abraçou e disse:
– Ele acabou de ir para junto de Jesus, e lá ele não vai precisar de cadeira de rodas…
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