O primeiro beijo de Cícero
Em um sábado de uma longínqua primavera, Cícero e Saulo, entediados pelas horas enormes de uma imensa tarde vazia, resolveram ir a um ginásio, assistir a um jogo de vôlei. Por motivo qualquer, nesse dia, Morais não estava junto. Assim, o trio estava, momentaneamente, desfeito. Ao chegarem ao ginásio e já, devidamente, acomodados, viram na arquibancada oposta a que estavam, duas meninas bonitas, que pareceram perceber a chagada dos dois. Decorridos alguns minutos, os olhares de Cícero e Saulo se entrecruzaram com os olhares das meninas. Cícero se interessou pela mais alta e Saulo pela loirinha. Elas correspondiam aos olhares deles, restava saber se o interesse delas, se é que havia, era igual o deles, ou seja, a mais alta olhava para Cícero e a loira para Saulo.
Como descobrir? De repente um menino se aproxima delas e senta-se ao lado delas. Cícero e Saulo se entreolham e de imediato, reconhecem o garoto. Trata-se de Gito, um ex-vizinho. Eles decidem acenar para ele e o chamam. Ele vem e eles perguntam quem são as meninas e ele responde que elas perguntaram a mesma coisa. Gito conta que elas são vizinhas dele. Cícero, que, realmente, se interessara pela garota de cabelos curtos e castanhos, pede a Gito que vá até lá e pergunte para o qual deles ela está olhando. Gito vai e logo volta dizendo que é para o garoto de camisa listrada, que é Cícero, que pede a Gito que volte lá e diga que ele quer conhecê-la. Gito vai e volta dizendo que ela pediu para ele ir a casa dela no dia seguinte. Alguém talvez possa perguntar por que Cícero não foi até ela naquele momento, ou mesmo porque ela também não o chamou. A explicação é bem simples, ambos eram muito tímidos e há 40 anos um garoto de 16 anos e uma garota de apenas 14, não tinham a desenvoltura dos jovens de hoje. Eles pelo menos, não tinham.
Naquela noite Cícero ficou até de madrugada ouvindo os clássicos da época, em especial a emblemática Oh babe (What would you say), que conta a história de um garoto muito tímido e seu desejo de tirar uma menina para dançar e seu medo dela aceitar e aí o que ele fará ou dirá.
Na tarde seguinte, como combinado, ele foi até a casa da garota. Ela o esperava no portão e se chamava Tânia. Embora ambos fossem introvertidos e sem nenhuma experiência afetiva anterior, a conversa fluiu e eles se entreolhavam de forma profunda. Ele a achou ainda mais bonita e ela também pareceu ter gostado muito dele. Ao que tudo indicava, ali estava o exemplo do chamado amor à primeira vista.
Eles conversaram durante horas, até que ela disse que precisava entrar. Então eles combinaram de ele a buscar no colégio, no dia seguinte. Ela estudava à tarde. Ele foi, caminharam até a casa dela e ficaram mais uma vez no portão. Eles se olhavam cada vez com mais intensidade, como se os olhos dele fossem penetrar nos dela e os dela nos dele.
A semana transcorreu com Cícero indo diariamente, buscar Tânia no colégio, com as conversas no portão e com aquela lânguida troca de olhares, que era só o que havia entre eles, nenhum beijo, nenhum abraço, nem mesmo caminhavam de mãos dadas. Não havia pressa, parecia que o tempo conspirava a favor deles. E eles assim iam, lentamente imergindo em um processo de desvendamento, que os deixava cada vez mais apaixonados.
Até que uma tarde, depois de decorridas umas duas semanas e já no portão da casa de Tânia, Cícero perguntou se ela queria namorar com ele. Ela aceitou e finalmente, na hora da despedida, houve o primeiro beijo. Um pequeno beijo, pouco mais que um selinho, mas era o primeiro beijo, que eles mais tarde chamariam de beijo de portão.
O primeiro beijo também os autorizaria, dali em diante, a andar de mãos entrelaçadas.
E assim as horas que antes pareciam enormes, agora passavam muito depressa. Mas quando não estavam juntos, as horas pareciam ainda maiores. Também não havia mais dias vazios, havia apenas a ânsia do encontro, do estar juntos…
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