O reciclável nosso de cada dia
Um chinelo velho. É isso! Quase debulhado, cheio de remendos, confortável. Tipo aquele bico sujo velho da criança. Cigarrinho daquela marca. Fetiche. Remendos. Doble W. Um apego sabe. O cara pode ir lá pro norte e quer a cachaça de casa. Muda de cidade, de mulher, de carro, mas não larga o maldito do chinelo. E sabe por que? Belodia de novembro nem sempre esteve em alta, ele, como nós, tem altos e baixos. Fica sozinho, apela, repete, volta atrás, se adianta um pouquinho. Coisas da vida. Nem sempre alcança. E nessas fases (Nim ensinou) ele recorre a estratégias. Ele, como o leão, só salta uma vez (gosta de dizer isso). A larga experiência no campo do infortúnio o ensinou, entre outras, esperar, ser insuspeito, galante quando o caso o exigir, ouvinte (sim, entendo, como não?), adulador (mas que esplendor!), romântico (dá cá um abraço vai), sensual (olhar combinado ao sorriso), indiferente (ok), tudo conforme o grau de dificuldade da arte do cortejo em vias da cobiça da beleza feminina. Por exemplo: – Oi. Belodia de Novembro. – Oi. – Você me pegava nesta triste escura sozinha carente desesperada noite perdida em uma favela? Ela sorriu, ponto. O resto é comigo. Perceba (Winnicott levanta-se, calmamente, caminha até o microfone central e profere as seguintes palavras: – objeto transicional. É aplaudido) ele faz-se chinelo. Quem aqui não teve um desses pequenos talismãs infantes? Ora, (levanta-se G. M.: – diria mesmo que diria Freud que diria seio, mamar, finalmente mamãe.) pouco ou nada importa se era um paninho sujo ensebado, uma fraldinha enroladinha, uma orelha, importa que Belodia de novembro fez-se isso e fazendo-se isso aquilo dela viu nisso dele alguma coisa nela que mexeu com ela e aí meu amigo já era.
– Nenquê (cativado): – Legal isso aí.
– Segurasponta (insurpreendido): – Assim como o homem está ligado a mãe Terra e assim como a morte é a sua separação rumo ao siderético.
– Nenquê (indignadamente conclusivo): – Porra! O cara tá falando um negócio massa e você vem de morte!
– Nim (olhos fechados inclina o ombro esquerdo e revira o pescoço abrindo minimamente um olho só na direção de Nenquê).
– Nenquê: – O quê!
– Nim (desrevira o pescoço fechando o unicamente mínimo olho desinclinando o ombro).
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