O trôpego passo da esquerda brasileira por entre as ruínas venezuelanas
“O Partido dos Trabalhadores condena a recente tentativa de golpe na Venezuela, levada a cabo pela oposição da direita golpista e antichavista. Estes grupos opositores tentam há anos derrubar o governo democraticamente eleito do Partido Socialista Unido da Venezuela. Seu fracasso em alcançar este objetivo é um resultado claro do apoio que o partido e seu governo tem junto às pessoas, após anos de políticas voltadas ao bem-estar da população e contrárias à exploração imperialista e das elites locais.”
Estas linhas acima transcritas estão presentes no “Comunicado contra tentativa de golpe na Venezuela”, divulgado pelo Partido dos Trabalhadores no último dia 30 de abril, momento no qual o país vizinho enfrentava (ainda enfrenta, aliás) momentos de grande violência, com o enfrentamento aberto entre opositores do governo Maduro e seus apoiadores, tendo ao lado as Forças Armadas do país. Representa o pensamento deste partido que por mais de uma década governou o Brasil com avanços notáveis, é verdade, mas também com gravíssimas práticas que o deixaram na desesperadora situação em que se encontra. Demonstra, caso queiramos ser benevolentes, profundo e absoluto desconhecimento acerca dos possíveis significados do conceito “democracia”. Comprova, caso queiramos ser realistas, porque o momento ora atravessado pelo Brasil é tão estéreo de alternativas e, consequentemente, de esperança, direita e esquerda disputando palmo a palmo a inglória corrida dos absurdos ditos e escritos, do completo desprezo pela inteligência alheia e da desesperada tentativa de criação de universos paralelos completamente destituídos de sentido e racionalidade.
Assim como tantas vezes tenho feito em relação às asneiras ditas por Bozo e seu séquito, cumpre neste espaço analisar as besteiras escritas neste curto documento por um partido que, uma vez mais, desperdiçou uma valiosa oportunidade de ficar quieto. Vir a público defender um regime como o de Nicolás Maduro é, no mínimo, de uma falta de bom-senso atroz. Chamá-lo “democrático” e intentar convocar “democratas” a defendê-lo é, não há outra possibilidade, de uma idiotia que assombra. Porque, afinal, vamos aos conceitos.
“Golpe”. Sim. Efetivamente o que estamos assistindo é a orquestração de uma tentativa de golpe na Venezuela, uma vez que toda e qualquer tentativa de alteração da ordem instituída, à revelia da lei, constitui o cerne da ideia “golpe”. Agora… Se temos um regime que está aparelhado há mais de vinte anos, que persegue, prende e mata sistematicamente opositores, que cerceia a liberdade de imprensa e de opinião, que adota medidas ditatoriais para manter o controle de todas as mais altas esferas de poder do país, como derrubá-lo? Como substituir autocratas que modificam a Constituição a seu bel-prazer e manipulam eleições como se fossem sua propriedade particular? Óbvio que apenas com um levante popular de grandes dimensões, exatamente o que estamos assistindo em nosso vizinho. Se este levante for bem-sucedido, entrará para a história daquele país como a gloriosa “Revolução Venezuelana”. Se fracassar, ficará como uma nota de rodapé, quase um rabisco que trará algumas palavras desrespeitosas a algo como a “Intentona de 2019”, ou algo assim. Típico da História, ciência para alguns sacrificados e perseguidos, valioso instrumento de manipulação escrito e reescrito apenas pelos vencedores, para tantos outros. Ou seja, o que está havendo na Venezuela enquanto Maduro se sustentar no poder é, efetivamente, um golpe, uma vez que ele ainda é o vencedor da situação.
Agora, daí a chamar o governo Maduro de “democraticamente eleito”? Não fosse tão séria a situação e eu me sentiria inclinado a boas gargalhadas, daquelas que apenas Chaves (o simpático mexicano, não o ditador venezuelano) e Monty Python me permitem dar. Aliás, a piada cairia muito bem em algum esquete do excelente grupo inglês, formado por mestres em construir peças que satirizam situações absurdas do cotidiano que, via de regra, passam completamente despercebidas da imensa maioria das pessoas. Como chamar de “democrático” um governo que permanece por mais de duas décadas no poder graças a sucessivas fraudes e perseguição de opositores? Que diria Capriles, outro histórico opositor de Chaves (agora sim, o infame fundador do “bolivarianismo”, seja lá o que isso seja) e Maduro de tal afirmação? Será que Vladimir Putin, autocrata russo responsável pelo retalhamento do território ucraniano (de quem retirou a historicamente importante região da Criméia); pela invasão da Geórgia que levou à morte de milhares de pessoas; pela imposição de constante tensão à Letônia, Estônia e Lituânia, bem como a todo o Leste Europeu; pela ingerência indevida nas eleições que levaram a versão estadunidense do Bozo (a legítima, aliás, em consonância com o personagem televisivo efetivamente criado para ser palhaço) à Casa Branca; concordaria em classificar o regime de Maduro como “democrático”? Aliás, caso este governo realmente fosse democrático, será que seu amigo russo ainda assim o apoiaria? Se esta é a democracia proposta pelo PT para o Brasil que a guarde para si, pois ela não é nada melhor do que o teatro de horrores protagonizado pela turma do Alô Criançada que, no momento, dá as cartas na malfadada Brasília, vergonha suprema do belíssimo cerrado que a encerra.
E quanto aos “anos de políticas voltadas ao bem estar da população”, responsáveis pelo “apoio” que o governo tem “entre as pessoas”? Aqui, desculpem, não consigo me conter, e as risadas deixam-se ouvir, nítidas, ainda que envergonhadas pelo quase sadismo que as caracterizam. Que diriam dessa frase os milhares de venezuelanos que, completamente desesperançados, famintos e mal vestidos, atravessaram nos últimos anos a fronteira de seu país em direção à Colômbia e ao Brasil a pé, em uma última tentativa de encontrar meios para sustentar a si mesmos e às suas famílias? Sua caminhada pelas estradas brasileiras seriam um claro sinal de seu bem-estar, já que ainda são capazes de caminhar incontáveis quilômetros na esperança de encontrar uma vida melhor? Talvez devêssemos ir todos a Roraima, então, contar aos venezuelanos que lá estão, em condições precárias, que eles são, na verdade, felizes produtos das políticas de bem-estar de seu país natal. Que aqueles que ficaram organizem manifestações quase todas as semanas, enquanto enfrentam a falta de luz, água, mercadorias essenciais, telefone e internet não parece importar para Gleisi Hoffman, Humberto Costa, Paulo Pimenta e Mônica Valente, signatários do infame comunicado. Afinal de contas as “pessoas” estão com Maduro, o que implica, por uma simples injunção lógica, que seus opositores não devem ser “pessoas”. Então, não importam tanto assim!
Assistimos presentemente à maior crise humanitária de toda a História da América Latina, consequência da completa falência de um Estado Nacional mal gerido por uma ditadura que, mesmo entre ruínas e escombros, se recusa a abandonar o poder. Chamar as tentativas de derrubá-la de “golpe contra a democracia”, qualificando Chaves e Maduro como promotores de “anos de políticas de bem estar” é de um descolamento com a realidade, de um descaso com a população venezuelana, que impressiona. Em que mundo vivem estes senhores do Partido dos Trabalhadores? Que ar respiram? O que bebem? Sejam quais forem as respostas para estas perguntas, ao menos sabemos que elas bem podem se aplicar aos bozos, tão ansiosos pelas glórias militares que poderiam advir de uma intervenção brasileira para resolver tão momentosa crise. Pobre Brasil! Pobres brasileiros! Tendo de conviver entre palhaços e alienados, lutando por sua sobrevivência e tentando, em vão, manter alguma nesga de orgulho nacional. Tempos realmente difíceis, estes em que vivemos. Até a próxima!
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