Ocupação do vale do Iguaçu: o início de uma epopéia milenar
Quando teria se iniciado a ocupação do vale do rio Iguaçu, região na qual vivemos hoje? Pergunta tão inocente quanto instigante, trata-se de um questionamento comum a várias localidades do país e do mundo que, longe de oferecer uma resposta simples, direta e cristalina, remete a uma série de informações úteis para compreendermos nossas cidades, nosso bairro e, porque não, nossa própria trajetória enquanto naturais, amantes ou simplesmente moradores das margens deste grande rio. Pergunta cuja resposta revela muito sobre nós mesmos enquanto povo, muito sobre nossa cultura, muito sobre a imagem que pretendemos mostrar àqueles que nos visitam. E que, como tudo que se refere a esta sorte de questões, merece algum comentário neste espaço.
Uma primeira resposta que aparece quando realizo esta pergunta a meus alunos, sejam eles os jovens que frequentam o ensino médio integrado do Instituto Federal, sejam os adultos frequentadores dos cursos de formação inicial e continuada ofertados pela mesma instituição, remete quase sempre aos imigrantes. Segundo esta primeira ideia, teriam sido grupos de europeus fugitivos de sua terra natal assolada por guerras, miséria e perseguições os primeiros a ocupar esta região, após atravessar literalmente um oceano de dificuldades em busca de melhores condições de sobrevivência para si e para sua família. Após os primeiros estabelecerem suas moradias as notícias de seu sucesso teriam chegado até outros conhecidos ainda viventes no solo europeu que logo em seguida seguiram seus passos, iniciando-se um processo contínuo que teria levado à gradual ocupação dos bairros de nossas cidades. Este processo realmente existiu e foi, de fato, extremamente importante para nossa região. Mas não foram estes os primeiros habitantes da área em que nascemos ou escolhemos para viver.
Surge, então, uma outra ideia, mais recuada no tempo. Os primeiros habitantes de nossa região teriam sido os caboclos, palavra genérica utilizada para designar grupos humanos originados no movimento das tropas, que durante várias décadas movimentou pessoas, animais e mercadorias entre os campos de Viamão, no Rio Grande do Sul, e a feira de Sorocaba, em São Paulo. Desgarrados por uma série de fatores deste movimento, os caboclos teriam buscado nas margens do Iguaçu um refúgio seguro e a salvo de autoridades nas quais não confiavam, e de patrões que, entendiam, os explorava. Desejando não mais do que os meios mais ordinários de sobrevivência, sem maiores preocupações que a construção de um teto para morar e a garantia da alimentação diária, estes povos teriam criado preferencialmente pequenos núcleos populacionais em áreas afastadas dos centros urbanos, onde viveriam um regime de quase subsistência permeado, aqui e acolá, por pequenas trocas comerciais com outros núcleos que formariam as cidades hoje constituintes da região geográfica conhecida como vale do Iguaçu. Mas não foram estes, tampouco, os primeiros habitantes destas terras.
Para mentalizarmos o momento no qual os primeiros humanos colocaram seus pés onde hoje vivemos é preciso recuar ainda mais no tempo. É preciso pensar em nativos americanos originários da região da Patagônia chegando aqui há cerca de doze mil anos. Sim, doze mil anos! Para termos uma ideia mais clara do que significa esta data aproximada, basta dizermos que a civilização egípcia começou a se formar há cerca de seis mil anos. O que significa que, seis mil anos antes do início da mais antiga civilização conhecida pelo homem, já havia pessoas habitando as margens do rio Iguaçu! Mas estes povos eram nômades, o que significa que estabeleciam moradas para períodos curtos de tempo – provavelmente alguns meses, no máximo, tempo suficiente para se esgotarem as fontes de alimento oferecidas pela natureza – antes de se mudarem para outras regiões onde houvesse fartura de água e comida.
Caso possuíssemos uma máquina do tempo e estivéssemos interessados em visualizar o momento no qual a primeira ocupação humana sistemática deste território se iniciou, teríamos de viajar nove mil anos em direção ao passado, época na qual poderíamos contemplar o estabelecimento do primeiro núcleo caingangue na região, após uma viagem iniciada nos vales dos rios São Francisco e Araguaia (sua região de origem) e que pode ter durado anos, talvez décadas. As razões que levaram parte deste povo a viajar para tão longe em busca de uma terra para chamar de sua ainda são desconhecidas, mas já podemos afirmar com razoável grau de certeza que a partir de então a ocupação humana de nossa região foi contínua, ainda que permeada por várias graves comoções.
Novamente, apenas para visualizarmos melhor: há cerca de três mil anos, início da ocupação caingangue no vale do rio Iguaçu, a Babilônia ainda era uma das principais aglomerações urbanas no planeta, e enfrentava uma rápida sucessão de soberanos que traria grande instabilidade a todo o seu império. Ao mesmo tempo Sesac, um dos últimos faraós egípcios, iniciava seu reinado de trinta e quatro anos, marcado por sucessivas crises e finalizado com seu sepultamento em uma pirâmide que em nada lembrava a grandiosidade de outras que passariam para a história como uma das Sete Maravilhas do mundo antigo. Mais, foi mais ou menos por esta época que a construção do famoso Templo de Salomão foi concluída, sendo sua inauguração marcada por uma grandiosidade que seria lembrada pelos séculos vindouros. Tudo correndo em paralelo com vários outros acontecimentos grandiosos não tão comumente lembrados, mas em hipótese alguma menos importantes.
Assim, nem imigrantes nem caboclos; os primeiros habitantes perenes do vale do Iguaçu foram os caingangues, importante povo comumente inserido na incrivelmente genérica designação “índio”. Não gosto, contudo, deste termo, razão pela qual evito ao máximo utilizá-lo. E há uma boa explicação para isto. Deixo-a, contudo, para a semana que vem, quando voltaremos novamente a este tema. Até lá.
EM TEMPO: Foi com grande pesar que recebi a notícia da passagem de dona Lulu, pessoa que, não obstante eu ter conhecido há, infelizmente, muito pouco tempo, rapidamente me impressionou por sua fibra e por sua incrível história. Mulher sem dúvida admirável, dessas que todos deveriam ter o prazer de encontrar e a oportunidade de conversar ao longo de sua vida. Aos saudosos familiares e amigos, bem como a toda a sociedade de Porto União da Vitória, meus mais sinceros sentimentos.
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