ÓDIO AOS IGUAIS
Limpou os sapatos reluzentes de inveja enquanto adulava a excelente escolha, vosso ótimo bom gosto e senso de justiça, vossa influente família bem constituída e de relevância insuspeita, vossos modos de tratar com necessária indesculpada energia os subordinados – assim se porta um verdadeiro líder – não sem enaltecer suas qualidades sublimes, o reconhecimento a que eram atribuídos aqueles que demonstram-se confiáveis, a generosidade impecável com que dá mostras de lealdade, sabedoria alcançada pelo labor incansável, fruto da honestidade, da idoneidade, de vistas ao bem comum. Recebeu um caloroso obrigado em troca e partiu para o que acreditava ser sua missão subtendida. Já em companhia daqueles que chamam pares uma profunda transformação ocorria, como se sua conduta observasse modos de funcionamento previamente determinados. Era tarefa depositada em si resguardar o bom andamento das coisas, era de sua responsabilidade desvendar negligências, comunicar aos superiores possíveis irregularidades, quanto melhor o fazia mais crescia seu prestígio, pensado a ascender verticalmente a despeito do que vinha suspeitando ser uma aumentada respeitabilidade de seus colaboradores em relação à sua pessoa, pouco importava as críticas que sabia secretas, a falta de perspectiva daquelas pessoas incapazes de compreender que somente assim se alcança a vitória, que é preciso se sobrepor aos demais para se destacar, que o fato de ter sido escolhido já o colocava em obrigação, que não deixaria, não obstante, que passasse essa chance. Observava, comunicava, escrevia o próprio nome e lia-o. A rotina foi lho moldando num cruzamento curioso que existe da incompetência com o ensimesmado e já trazia consigo uma redução quase completa da alternância que outrora existira em contraste a outros ambientes. Passara agora a comportar-se em casa, nas rodas de poucos amigos, até em seu modo de caminhar na rua, como se em exercício estivesse, e adorava isso. Foi inclusive convidado a uma festa, para ajudar nas preparações. Não hesitou porque sabia que um dia eles precisariam dele, que saberiam ainda mais que poderiam contar, que não é recomendável haver sequer qualquer suspeita disso. Vestiu suas melhores roupas, gastou mais nessa observância à aparência do que gastaria com sua filha, mulher ou com seus pais. Sugeriu aos colegas ajudantes, todos igualmente confiantes, que o futuro mais promissor àqueles que pensam em investir era no campo de pescados, tinha parentes nesse ramo e viu o crescimento da região nos últimos anos, seu tio conseguiu triplicar os lucros apenas administrando a divisão deles pela sua equipe, que passou a receber mais, trabalhar melhor, e garantir o fornecimento. – apenas dividindo os lucros? – retorquiu um dos ajudantes. – Sim – ele disse. – meu tio pescava sozinho, assim como a maioria. Depois que reuniram-se eles somam todo o pescado e dividem o lucro igualmente. Quanto mais se pesca mais se ganha, todo mundo trabalha igual. – Ao que interveio um chamado em seu nome – traga-nos uma bebida sim? – disse solene o chefe. Sem atraso chegou à beira da mesa munido da bebida servida. – Ouça – disse o chefe – eis aqui um dos meus melhores funcionários, reporte-se a ele caso precise de algo – com uma mão em suas costas enquanto explicava ao convidado – trabalha dobrado sem nunca reclamar, ao contrário daqueles pescadores preguiçosos que ganham nas custas uns dos outros. – Meio sem jeito pelo elogio – o senhor sabe que eu dizia exatamente isso a vossos ajudantes agora há pouco, não se pode esperar, não somos comunistas. – Eles riram-se. Gratificado pediu licença ao convidado, retirou-se e ficou a espiar seus gestos. Logo percebeu que cada garrafa durava mais ou menos o tempo de três cigarros, o convidado reclinava-se na cadeira e antes mesmo de fazer qualquer pedido já o recebia de bom gosto. – Notei que o Sr. prefere sem espuma. – disse sorridente com cordialidade sedutora. O chefe sorriu, chamou outro ajudante e disse ao convidado – fique com ele.
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