Os meninos da Rua Barão em lados opostos
Neste mês de julho passei duas semanas em São Paulo em companhia de minhas filhas Mayara que lá reside e Nina Rosa que lá estava a trabalho. Certa manhã recebi uma ligação de Margarete que me contava que meu amigo de longa data, Ivo Trebien, havia ido me visitar e me deixara de presente o DVD do filme Os meninos da rua Paulo.
Como já relatei em crônica anterior, esse filme se reveste para nós, os meninos da Rua Barão, de uma aura mitológica, pois evoca em nós até hoje, um sentimento de identificação com aqueles personagens do livro e depois do filme.
Fui até a Livraria Cultura do Conjunto Nacional. Na Avenida Paulista, comprei o emblemático livro e o trouxe de presente para Ivo Trebien, que já há alguns anos mora em Curitiba.
Relato isso tudo apenas para ilustrar minha longa amizade com Ivo, iniciada no início dos anos 70, e que em determinado momento de nossa pré-adolescência, creio que em 1973, foi momentaneamente interrompida, pela nossa obstinada defesa do que considerávamos nossos territórios.
Ivo que morava na Rua Costa Carvalho, esquina com a Barão do Cerro Azul, junto com outros meninos da Costa Carvalho, Castro Alves e também da Barão do Cerro Azul, abixo da Costa Carvalho, construiu um campo de futebol na esquina da Costa Carvalho com a Castro Alves.
Certo dia, ao passarmos por ali, eu e Nivaldo Camargo, fomos chamados para uma partida do que chamávamos de travinha. Não lembro mais o resultado, apenas que Ivo e Nivaldo acabaram brigando e como Ivo estava levando a melhor, decidi intervir para separar a contenda e fui rechaçado por outro menino apelidado de Canhão, que me deu uma ripada. Fomos embora, mas ao sairmos dissemos que íamos voltar com o resto de nossa turma, que era bem mais numerosa que a deles.
Em assembleia, decidimos que íamos destruir o campinho deles e não sei como essa notícia chegou até eles que nos esperaram em algumas investidas e resistiram.
Em nova assembleia, deliberamos um novo plano de ação que consistia em um primeiro ataque que eu lideraria, com mais três ou quatro meninos, os mais rápidos, apenas para distrair as defesas rivais, que esperávamos partissem em nosso encalço, enquanto uma segunda turma, liderada por Nivaldo, destruiria o campinho. Tudo aconteceu como havíamos planejado, eles nos esperavam escondidos e como já havíamos previsto tínhamos uma rota de fuga alternativa, aonde chegaríamos mais rápido do que eles e empreenderíamos fuga sem o risco de sermos alcançados. Nos escondemos nas imediações da então Escola de Aplicação José de Anchieta e enquanto eles nos procuravam, Nivaldo e seu séquito, destruíram o campinho.
Quando eles desistiram de nos procurar, nos reagrupamos e nos escondemos já em nossos domínios, esperando a repercussão de nosso ataque. De onde estávamos podíamos observar toda a Barão do Cerro Azul, entre as ruas João Gualberto e Costa Carvalho e vimos os meninos da turma rival, acompanhados de alguns pais, dirigirem-se ao portão de minha casa. Aguardamos em silêncio e resolvemos nos dispersar e retornarmos para nossas casas não pela rua, mas por dentro de outros terrenos, como fazíamos sempre que nos metíamos em enrascadas. Ficou acordado que eu narraria a todos apenas no dia seguinte, o que eles haviam ido fazer em minha casa, já que havia o risco de eles continuarem nos procurando, agora reforçados por adultos.
Quando cheguei em casa minha mãe estava me esperando e perguntou de imediato: “O que vocês aprontaram desta vez?” Contei toda a história para minha mãe, que por sua vez contou que alguns vizinhos haviam estado lá à minha procura e contaram que havíamos destruído o campinho. Minha mãe havia dito que eu não estava em casa e que provavelmente deveria estar na casa dos Murara, onde nos reuníamos todas as noites para jogar baralho, mas que iria chamar minha atenção, recomendando que não fossemos mais criar confusão.
Conto essa história para reiterar o que disse na crônica sobre o livro Os meninos da Rua Paulo, isto é, defendíamos com unhas e dentes, nossos princípios e nossos valores morais, como lealdade e honra, tanto que embora em número muito maior que nossos então opositores, não quisemos agredi-los fisicamente, somente exigíamos respeito, assim como eles que preservavam com a mesma lealdade e honradez o seu território.
Não voltamos mais a nos enfrentar e logo depois voltaríamos a ser amigos, o que somos até hoje, movidos pela mesma lealdade que cultivamos a mais de 40 anos.
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